Black Mesa – O remake certo na hora errada pode fazer toda a diferença do mundo
O legado da série
Half-Life é um dos titãs da indústria de jogos. Lançado no final de 1998, é um jogo que redefiniu as possibilidades na indústria, com gráficos 3D absurdos, uma jogabilidade responsiva e imersiva, e uma duração impressionante. Atualmente o jogo de 98 não envelheceu bem em nenhum dos aspectos citados acima; gráficos obviamente foram a maior evolução da indústria, sua jogabilidade está repleta de erros e elementos arcaicos (apesar de boa parte de seu design ainda ser relevante), e talvez seja tenha alguns momentos desnecessariamente compridos como On a Rail e Xen. Independente de tudo isso, ainda é um jogo com valor histórico e uma filosofia de design atemporal, o que faz ser um título que vale a pena para qualquer pessoa com interesse em videogames. Em 2004, Valve atualizou sua engine da GoldSrc (que começou como uma modificação pesada em cima da engine de Quake da iD Software) para Source, uma engine de autoria própria da Valve. Para demonstrar sua portabilidade, Half-Life foi usado de exemplo e portado de GoldSrc para Source.
Infelizmente, essa versão não era a atualização que muitos esperavam. Seu foco era puramente demonstrar as capacidades da nova engine e não uma atualização da franquia, isso estava guardado para o final do ano com Half-Life 2 (uma das continuações mais bem sucedidas da história dos games). Porém, era durante essa época que mods, modificações em jogos feita por fãs, começaram a ganhar popularidade. Mais que uma pessoa teve a idéia de fazer um verdadeiro remake de Half-Life 1 para que ele ficasse mais em sintonia com Half-Life 2, e ao juntar tais pessoas em um único time, eventualmente surgiu a Crowbar Collective, um estúdio de dois projetos com objetivos similares.
Porém, sendo um projeto de fãs, Crowbar Collective não tinha a estrutura de uma empresa comum. Todos os integrantes trabalhavam remotamente, organizando seus esforços através de chats, fóruns, e versionamento de builds, o que atrasou consideravelmente seu desenvolvimento. Oito anos se passaram até que a primeira build jogável aparecer na Steam, até então vários sites julgavam o projeto como um fracasso e promessas vazias.
Em 2013 o projeto teve uma alavanca, e durante uma grande atualização para a Source engine que facilitava desenvolvimento para ela de várias formas, a Valve contatou a Crowbar Collective para sugerir um lançamento comercial. Até então um mod gratuito (como de costume), a proposta era de transicionar para um produto com a licença oficial de sua engine Source. Obter o apoio oficial da Valve seria algo extremamente benéfico para o desenvolvimento de seu projeto, então apesar da idéia inicial ser um projeto não-lucrativo, a Crowbar Collective aceitou a oferta e começaram a segunda fase do projeto, tendo aproximadamente 75% do jogo pronto até 2015.
Nesses últimos anos, além de polimento do resto do jogo, seu tempo foi usado refazendo os últimos capítulos do jogo que se passavam em um cenário extremamente diferente do resto de Half-Life. Tempo de desenvolvimento foi colocado em tentar entender a filosofia de desenvolvimento da Valve no lançamento desse primeiro jogo, restaurando conteúdo cortado, e adaptando para uma nova indústria com novas sensibilidades.
E depois dessa jornada, Black Mesa finalmente tem sua edição definitiva lançada em 2020 com todos os capítulos e correções na loja da Steam. Sua recepção foi extremamente positiva, tanto para o público, quanto até mesmo para a própia Steam/Valve que promoveu o jogo como como parte oficial de sua franquia. Apesar de ser feito por um estúdio remoto de fãs cujo desenvolvimento é apenas um hobby, o jogo tem qualidade profissional.
Como um remake
Remakes são uma categoria própria na sua avaliação. Diferente de Reboots que não tem muito compromisso com a série fora as características básicas, Remakes tem um balanço delicado entre se manter fiéis ao material de origem enquanto modernizam seus aspectos arcaicos, alguns chegam o mais próximo que um relançamento possa chegar de uma conversão 1:1, como Spyro Reignited, enquanto outros mudam bastantes aspectos enquanto mantém tudo que fez o original famoso, como Resident Evil 2, nessa escala Black Mesa se aproxima de uma conversão 1:1, com seu level design, história, diálogo, easter eggs e gunplay são praticamente idênticas enquanto algumas mecânicas foram atualizadas, o design auditivo foi completamente refeito com alterações perceptíveis, algumas partes do original que foram amplamente criticadas foram remodeladas com grandes diferenças, e é claro, seus detalhes visuais tiveram algumas mudanças para acomodar um jogo de alta resolução e texturas melhores.
De forma geral, porém, Black Mesa é um ótimo balanço entre nostalgia sem qualquer empecilho. Tudo que fez o Half-Life ganhar sua fama está presente sem quaisquer alterações estruturais, e as poucas mudanças realmente feitas não vão ser perceptíveis a não ser que comparados lado a lado simultâneamente.
Como um jogo próprio
Por fim, como Black Mesa seria para alguém que jamais teve contato com a série? Apesar de Half-Life ser um dos pilares que iniciaram o movimento de jogos mais narrativos e cinemáticos, sua direção é completamente inversa ao que essa idéia se tornou hoje em dia. Do momento que se começa um novo jogo até seus momentos finais, estamos em total controle do protagonista Gordon Freeman. Não existem cutscenes no jogo e diálogos são entregues sem ênfase cinemático.
Fora isso Black Mesa é um shooter em primeira pessoa com um sistema de pontos de vida e armadura, recuperação através de pick-ups e estações de cura, um arsenal variado que está sempre disponível sem precisar gerenciar apenas duas armas, e um level design que, apesar de linear, pode ser extremamente confuso para os padrões de hoje em dia, tendo várias formas inconvencionais de se progredir para os próximos eventos. Não é incomum para um primeiro playthrough ficar perdido em certas partes sem qualquer dica para onde ir ou o que fazer, se isso é algo bom ou ruim, depende da preferência de cada jogador sobre qual tipo de experiência é mais satisfatório.
De uma forma geral, é um jogo sem igual no mercado atual.
PROS:
- A clássica jogabilidade retro com melhorias e modernizações que não destoam de sua essência;
- Gráficos fenomenais e muito bem otimizados para máquinas mais antigas;
- Level design atemporal se mantém extremamente agradável de se revisitar ou explorar pela primeira vez;
- Nova trilha sonora é uma melhoria inquestionável a atmosfera e qualidade geral;
- Um ótimo balanço entre agência total do jogador e ação cinemática;
- Um perfeito balanço entre alterações e recriações moderniza a obra sem se desviar do original.
CONS:
- É extremamente fácil se perder e ficar preso em certas seções do jogo para novatos do gênero;
- Os últimos capítulos refeitos cometem alguns dos mesmos erros que o original.
PLATAFORMAS:
- PC – Steam.
NOTA: 9/10
Caso você esteja se perguntando o porquê desse título, Black Mesa passou mais de 15 anos em desenvolvimento até ficar totalmente completo. No momento que puseram o ponto final em seu projeto, a Valve já tinha retornado na produção de jogos single-player com Alyx. Sua chegada foi ofuscada por esse retorno e, portanto, veio numa hora um tanto errada para o time. Half-Life não é uma franquia que teve um bom relacionamento com projetos de fãs. Muitos não passaram de sua fase inicial de criação, e os que foram lançados como produtos comerciais como Hunt Down the Freeman e Projekt foram extremamente controversos na sua qualidade. A eventual pressão que o sucesso de Black Mesa poderia causar reacendendo a demanda por um Half-Life foi substituída por HL-Alyx.
Independente disso, Alyx é um jogo de VR que ainda está fora do alcance da maior parte de sua fanbase, e é nesse momento que Black Mesa é o remake certo, sendo um ótimo ponto de entrada para fãs retornando a franquia ou novos jogadores descobrirem o motivo de sua fama.
E é claro, é uma das citações mais famosas de G-Man, como escrever sobre Half-Life sem mencionar ela uma vez, não?