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Chained Echoes – Tradição com traços de Modernidade

Na indústria de videogames os jogos inspiram uns aos outros frequentemente, e mecânicas e gêneros são criados com base em sucessos (e fracassos) dos seus pares. Chrono Trigger inspirou uma geração inteira de desenvolvedores e jogadores, seja através de mecânicas ou tropes criadas pela sua história revolucionária para a época. 

A maior dificuldade quando se usa da inspiração é conseguir tornar essas características herdadas em algo que pertença ao seu jogo e que faça sentido na experiência, é a armadilha em que muitos jogos caem, especialmente no cenário indie, onde os desenvolvedores têm liberdade para explorar suas ideias (e cair em suas armadilhas). Analisaremos Chained Echoes, uma grande surpresa que saiu sem alarde no começo do ano, com inspirações claras nos clássicos JRPGs da década de 90, especialmente Chrono Trigger e Xenogears.  

RPGs de turno têm uma tendência a se tornarem mecanicamente repetitivos, especialmente em seus estágios mais avançados, quando os jogadores já possuem seus personagens e estratégias estabelecidos e apenas utilizam suas habilidades em sequência para encerrar o combate o mais rápido possível. Vários jogos buscam evitar esse tipo de dinâmica através de mecânicas que incentivem o jogador a pensar de forma dinâmica e reformular suas estratégias no momento. 

Chained Echoes introduz algumas soluções para este problema, com 2 sistemas de combates distintos (a pé e dentro das Sky Armors), que utilizam formas reformuladas das mesmas mecânicas de maneira inteligente. O combate do jogo gira em torno da barra de Overdrive/Overheat: 

No início de todo combate o indicador começa no início da barra, zona amarela. Ações tomadas pela equipe avançam o indicador, enquanto o comando de defender recua o indicador uma pequena quantidade. O símbolo no início da barra troca cada vez que a contagem zera, durante este período, habilidades que correspondam ao símbolo recuam drasticamente o indicador, resultado que também pode ser obtido utilizando a Habilidade Suprema de cada personagem. O controle do indicador é extremamente importante quando se entende o efeito de cada parte da barra: 

  • Setor Amarelo – Estado inicial da barra, neste momento a a barra não afeta as mecânicas do jogo; 
  • Setor Verde, Overdrive – O objetivo durante o combate é permanecer o máximo possível neste setor, enquanto o indicador estiver em Overdrive, os personagens causam dano aumentado, têm custo de magias e habilidades reduzido e sofrem dano reduzido. 
  • Setor Vermelho, Overheat – É importante durante o combate controlar indicador para evitar que ele alcance o Overheat, neste setor magias e habilidades têm custo dobrado e a party sofre dano aumentado. 

Apesar de ser uma mecânica relativamente simples, o gerenciamento da barra durante o combate proporciona situações dinâmicas, lidando com ações no mostrador diferentes, inimigos com fraquezas e resistências distintas e até mesmo bosses que possuem mecânicas que interagem com a barra.

Decisões impensadas podem causar situações onde sua party possa estar em Overheat durante um turno do boss ou uma sequência de ações inimigas, tornando o Game Over cada vez mais próximo. 

Posteriormente no jogo com a introdução das Sky Armors a segunda versão da barra é introduzida, junto com um sistema de “marchas”, que testam o domínio do jogador sobre a mecânica de Overdrive/Overheat para causar danos ainda maiores. 

Uma inovação corajosa que o jogo introduz é a na verdade a remoção de um sistema. Não existe sistema de experiência e níveis em Chained Echoes. A progressão dos personagens é feita através da história, o que também possibilitou que o jogo pudesse dimensionar melhor a dificuldade dos encontros com inimigos, que nunca se tornam fácil ou difícil de mais. O jogo também remove a gravidade dos Game Overs, possibilitando que você retorne na mesma batalha. 

Apesar da remoção dos níveis, ainda é possível customizar sua experiência através da aquisição de habilidades, customização de equipamentos, que possuem slots para construção de gemas que afetam atributos e habilidades dos personagens, classes adicionais e personagens secretos. O sistema de customização do jogo é semelhante ao que se encontra em Octopath Traveler ou Bravely Default, sendo ainda mais aprofundado em alguns aspectos. 

A “Reward Board” oferece diversos objetivos para complecionistas

A exploração é um ponto forte, com um incentivo robusto à descoberta, o jogo inclui um sistema com um grid onde o jogador pode trocar descobertas, semelhantes a conquistas, por recompensas ou itens para fortalecer os personagens. Amarrados a esse sistema estão segredos como inimigos raros/únicos e bosses secretos, alguns envolvidos com quests bem intrincadas, tudo contribuindo para um RPG parrudo, com uma playthrough chegando facilmente na casa das 60 Horas. 

Apesar da Estética e gameplay que remetem a Chrono Trigger, Chained Echoes tem muito mais em comum com Xenogears e Vagrant Story em sua narrativa, com uma trama geopolítica sobre guerras com envolvimento do sobrenatural e reviravoltas cada vez mais surpreendentes, não foi incomum em minha experiência pensar “Ah, já sei pra onde a história está indo agora” pra imediatamente em seguida ser surpreendido por um plot twist, até mais de um em alguns momentos. Evitando spoilers, posso afirmar com tranquilidade que a trama do jogo não perde em nada se comparada a RPGs lançados durante o ano como Final Fantasy XVI e Sea of Stars

O jogo possui diversas quests opcionais que são interessantes e agregam muito à imersão no mundo de Valandis, algumas introduzindo até mesmo personagens e áreas opcionais que são mencionados durante o jogo. A lore é tão profunda que é fácil imaginar futuros jogos e histórias se passando no mesmo mundo, com outros continentes, civilizações, países e até mesmo Deuses sendo mencionados no decorrer da trama. O final do jogo é surpreendente e irá agradar a fãs de RPGs  e boas narrativas. O desenvolvimento dos personagens se torna tão interessante que, em certo ponto, um dos únicos pontos fracos do jogo acaba sendo o baixo desenvolvimento que alguns personagens opcionais recebem no final do jogo, nem se quer aparecendo em cutscenes na batalha final.

“Perpetua Flower Fields” possui um dos visuais mais inspirados e marcantes do jogo

Remetendo a JRPGs antigos com arte baseada em sprites e retratos de personagens durante diálogos, Chained Echoes possui um charme próprio que se estende ao design de suas zonas exploráveis e cidades. A gama de ambientes é grande, indo desde florestas e regiões montanhosas, passando por cavernas, esgotos e pântanos até praias e desertos. Em determinado momento do jogo, o jogador explora um pântano contaminado por magia com uma temática baseada em fungos, o ambiente bonito somado à trilha sonora causa uma imersão que torna a área muito memorável. 

O design de criaturas e Sky Armors (mechs) é bem variado, com movimentos e animações únicos e sem repetições (exceto em casos específicos, como em tropas de determinadas nações), o que junto com os bosses inimigos raros (semelhante ao que se encontra em Xenoblade e Final Fantasy XII) dão ao jogo sua própria identidade e espantam a monotonia acaba contaminando alguns jogos do gênero. 

A trilha sonora é de pegar qualquer um desprevenido, com temas que entram pra noss memória e voltam na nossa cabeça de tempos em tempos, alguns dos meus favoritos sendo os temas de Farnsport e Shambala, que apresentam um clima de cidade festiva e uma civilização antiga sem se tornarem clichês. 

PROS:

  • Sistema de Combate Dinâmico e altamente customizável;
  • Excelente arte que simula a estética de RPGs clássicos;
  • Trilha sonora e visuais bonitos e nostálgicos que vão agradar até mesmo o fã mais exigente de RPGs clássicos;
  • História intrigante e cheia de boas reviravoltas;

CONS:

  • Pouco desenvolvimento para os personagens opcionais obtidos próximo ao final do jogo.

PLATAFORMAS:

  • Nintendo Switch;
  • Playstation 4 e 5;
  • Xbox (incluso no GamePass);
  • PC.

NOTAS:

Jogabilidade:Qualidade dos controles10
Design (Dificuldade, Level, Criatividade)9
História:Enredo9
Narrativa9
Arte:Gráficos9
Direção artística10
Audio:Efeitos Sonoros8
Trilha Sonora9
PortEstabilidade9
Otimização9
NOTA FINAL:91

Chained Echoes se apoia em suas inspirações de forma sincera, e se destaca por ainda ter sua própria identidade, com inovações que apenas a experiência de uma indústria moderna poderiam trazer ao gênero. O jogo impressiona ainda mais, ao saber que foi desenvolvido por apenas uma pessoa, Mattias Linda, que deixa clara sua visão forte e prova ser um dos nomes a se observar no futuro para os fãs de RPGs.

Um ávido jogador de Fighting Games e RPGs que descobriu ainda cedo que videogames podem ter algumas das narrativas e experiências mais intrigantes do entretenimento. Perde a noção do tempo enquanto passa horas estudando sobre a lore de seus games favoritos.