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Palworld demonstra uma enorme falta de maturidade na indústria, e não estou falando dos trocadilhos.

Palworld era um jogo que eu estava interessado em jogar desde que eu vi o trailer da Summer Games Fest do ano passado. Aquele tipo de idéia completamente maluca, com aquele jank inquestionável de projetos ambiciosos vindo de times pequenos. Jogos como o relativamente famoso Alpha Protocol, ou o extremamente nichado Legend of Grimrock, ou o amplamente desconhecido Lichdom Battlemage.

Pokemons com armas? Uma idéia ridícula. Preciso ver como isso vai terminar.
Infelizmente, não conseguimos a chave para trazer um review antecipado. E tendo em vista o massivo sucesso que fez o jogo superar jogadores simultâneos de nomes como Baldur’s Gate 3, Elden Ring e até mesmo Dota 2, não acho que uma análise seja necessária a essa altura. Você já sabe o suficiente pra dizer se o jogo vale o seu dinheiro ou não.

Agora, existe outra coisa que infelizmente ainda precisa ser dito sobre. A reação ao redor de Palworld.

Eu já te disse o conceito de uma paródia?

Em primeiro lugar, o mais ridículo e provavelmente mais fácil de se abordar:
“Isso é roubo de propriedade intelectual!”

Com certeza você já viu em algum momento o meme do cara com uma faca dizendo “deixe a companhia multimilionária em paz” então eu não vou insultar a inteligência de ninguém colocando-a aqui de novo.

E realmente, apesar de crasso, ele passa bem a absurdidade da situação. Não é como se a Nintendo fosse indefesa, estamos falando de uma empresa que processou – e ganhou – uma pessoa por mais de 10 milhões de dólares por hackear seus consoles.

Eu não preciso nem mesmo colocar o histórico deles de derrubar mods e projetos de fãs que usam a IP deles. Novamente, não vou insultar a inteligência de ninguém colocando a copypasta do garoto que fez um Mario Bros de papelão e a Nintendo veio pessoalmente entregar a carta de Cease & Desist para ele.

“O mais interessante disso é que, apesar de o mod quase certamente se classificar como infringimento, eu acho que o que ele faz é um serviço decente em mostrar quão diferente Palworld é na sua forma base. Eu não estaria entusiasmado em trazer um processo para o jogo se eu fosse do time da Nintendo/Pokemon.”

Richard Hoeg, advogado de negócios

Eu não vou entrar nos detalhes de “livre uso” e das exceções que se encaixam em liberdade de expressão, estamos falando de um ramo extremamente complicado e que vive sendo litigiado em cortes ao redor do mundo, mas o que eu posso dizer com um certo grau de tranquilidade é como paródia em particular é um dos casos mais simples de se resolver.

Palworld é tão passível de ser confundido com Pokemon quanto SOS Tem um Louco Solto no Espaço é passível de ser confundido como produto oficial de Star Wars. Não importa quantas threads no twitter você faça mostrando como existem duas criaturas são parecidas só com cor ou proporções diferentes. Isso É o que faz uma paródia ser uma paródia.

Indo além do fator legal, não é nem como se Palword fosse realmente uma cópia descarada. Pokemon é um RPG de turno. Palworld é um survival craft. Eles nem sequer estão na mesma categoria. E pra deixar extremamente claro, mesmo que fosse um RPG de turno, ao adicionar armas, mudar os designs ligeiramente, e colocar esses exageros já o protegeria como paródia. Palworld inegavelmente passa muito perto de copiar alguns designs de Pokemon. E mesmo assim, isso não importa.

Não fez muito tempo que todo mundo estava extremamente feliz com Steamboat Willie entrando no domínio público inclusive. Por que isso? Obviamente, porque por mais que as dezenas paródias de “Mickey do mal de terror” sejam completamente esperadas e genéricas, ainda é a partir da iteração de idéias que se criam coisas novas e interessantes.

Ninguém precisa gostar de Palworld, e a existência dele com certeza não ameaça a existência de um bahamute como Pokemon.

Falando em bahamute, existe outro exemplo extremamente parecido com esse caso, só que foi um projeto de sucesso bem menor e foi iterado em cima de outra IP que ninguém liga muito. Nova Lands, do estúdio brasileiro BEHEMUTT. Um jogo com um estilo artístico e designs extremamente parecidos com Forager, porém em um outro gênero por completo e com objetivos completamente diferentes.

Originalidade é uma qualidade a ser elogiada quando presente. A ausência dela, porém, não é demérito de ninguém. É o que compõe a grande parte das criações artísticas de várias mídias diferentes inclusive, e geralmente são até mesmo as mais famosas e queridas. Ser contra isso é fundamentalmente não entender como qualquer processo criativo funciona.

E se você ainda tem alguma dúvida sobre a legalidade da situação, existem pessoas qualificadas para falar sobre e a probabilidade de a Nintendo processar a Pocketpair e como esse caso pode desenrolar.

Adiciona “asset flip” para a listas de termos mau usados…

Sabe o que é um “asset flip”? Ou melhor, sabe QUEM é um asset flip? The Legend of Zelda: Majora’s Mask. Seu antecessor – Ocarina of Time – foi um jogo que precisou de 5 anos para ser desenvolvido. Majora’s Mask foi lançado apenas dois anos depois de Ocarina, e seu tempo de desenvolvimento foi um pouco mais que a metade desse tempo, 1 ano e 3 meses.

Ura Zelda era o nome de uma expansão planejada para Ocarina. Porém, o projeto foi abandonado devido a problemas na comercialização e viabilidade dele. Nesse processo, Shigeru Miyamoto desafiou o time a criar um novo jogo reusando o que foi feito para OoT.

Dados a dificílima tarefa de superar um sucesso como Ocarina of Time sem usar nada “novo”, o time teve que se preocupar em criar novas mecânicas interessantes e reutilizar os modelos e mecânicas que tinham para justificar sua existência como um jogo novo.

Seus modelos (assets) foram revirados (flipped) para fazer algo diferente.

Uma crítica similar foi dada a From Software com Elden Ring. Alguns tirando sarro que o jogo é “Dark Souls 4”. E realmente, seus modelos e motores gráficos são extremamente parecidos. Se você pegar os screenshots certos de ER e DS3 e colocar eles lado a lado, uma pessoa que não conhece os jogos com certeza iria achar que tudo faria parte da mesma coisa.

“Asset flips” não são sempre pejorativos. Como qualquer decisão de design, tudo depende do quão bem (ou mal) ela é utilizada.

Com o tempo, o termo realmente mudou para descrever jogos mau feitos que eram colocados baratinho na Steam usando modelos genéricos comprados em lojas. Quem aqui nunca recebeu um jogo de hentai de “meme” de um amigo? Parabéns, é por causa disso que asset flips existem.

Vide a Konnichiwa Games, desenvolvedora de jogos extremamente engajantes como Anime Stranding, Anime Redemption e The Last of Waifus. Não, eu não vou linkar nenhum deles aqui. Até mesmo se for o tipo de jogo que te interessa, eu lhe garanto que existem alternativas melhores.

Esses jogos são coloquialmente conhecidos como asset flips. Jogos sem um estilo artístico, sem nem mesmo um propósito de copiar. O tipo de coisa feito por gente “esperta” que procura lucrar com a burrice dos outros.

Ao risco de soar repetitivo, Palworld não é nenhum bastião de originalidade. Mas dizer que ele se encaixa em qualquer um desses dois casos é simplesmente desonesto. Até mesmo seu estilo artístico genérico, que a gente claramente já viu em tantos outros jogos de sobrevivência antes dele, não é indício de malícia visando lucrar em cima dos outros.

A completa imaturidade da indústria tanto de dentro quanto de fora

E apesar de tudo isso, acho que o mais enfurecedor é a total imaturidade de como todos lidaram com o sucesso do jogo. Fãs de Pokémon. Haters de Pokémon. E pior de tudo, até mesmo pessoas que trabalham na indústria.

Eu não vou dedicar mais do que um parágrafo pra todo mundo que não-ironicamente usa Palworld como um exemplo do que a Game Freak deveria fazer. Os últimos Pokemons tem seus problemas e críticas extremamente válidas, mas de novo, nem sequer são do mesmo gênero. E Palworld tem a sua cota de bugs e problemas de animações. Não finja que eles são um padrão a ser seguido.

E por outro lado, o sucesso dele também é bem simples de se entender. Jogos “open world survival craft” já naturalmente fazem sucesso por sí só. Não faz muito tempo que todo mundo vivia falando de Valheim, muitos ainda continuam jogando ele até hoje. Rust, Grounded, No Man Sky, Conan Exiles, o que mais existe nesse gênero são jogos com sucesso maior do que o hype. Desde Minecraft, se surpreender que um jogo desses tem números impressionantes é se surpreender que a água é molhada.

Partindo desse princípio, já temos um jogo onde pessoas vão ficar logadas por mais horas do que um single player ou competitivo comum. Somado a isso Palworld teve o marketing de ser tão parecido com Pokemon. “Copiar” designs de uma empresa tão litigiosa como a Nintendo é algo que naturalmente vai chamar a atenção. Especialmente com o tom de paródia com armas e açougue de criaturas, coisas que Pokémon jamais ousaria fazer porque arruinaria a imagem da marca.

 E por fim, um jogo barato, com bom preço regional, e nenhum indício de microtransações? Estamos falando de um jogo que internacionalmente é menos da metade do preço de um AAA. Aqui mesmo no Brasil custa apenas 80 Reais, o que é consideravelmente abaixo de qualquer outro lançamento. Não é um enorme investimento. 5 milhões de cópias é impressionante, mas não de se surpreender.

Só que não termina por aqui né? Existe algo mais. Vamos chamar de… O elemento X.

Sabe qual foi o jogo mais vendido de 2023? Baldur’s Gate 3, o ganhador do prêmio de jogo do ano? Não, nem sequer perto. Zelda: Tears of the Kingdom, um dos jogos mais aguardados da Nintendo? Também não, apesar de que estar preso a um console com certeza limita seu potencial alcance. Já sei, é uma pegadinha e a resposta é Call of Duty né? Miraculosamente, também não.

Hogwarts Legacy. Um jogo open world genérico feito em cima da propriedade intelectual de Harry Potter. Esse foi o jogo mais vendido de 2023.

Claro, Harry Potter é uma franquia gigante por sí só. Mas só isso não seria o suficiente para superar algo como Call of Duty, o jogo mais vendido de todo ano. Caso contrário jogos de Star Wars e até mesmo Pokemon, ambas franquias mais rentáveis que Harry Potter, conseguiriam recordes similares com facilidade, mas esse não é o caso.

“Falem bem ou falem mal, mas falem de mim.”

Esse é o mantra do ramo de marketing. É extremamente difícil conseguir elogios, seja um produto, uma empresa ou um indivíduo. Mas uma crítica? Consideravelmente mais fácil. É claro que existe um limite no que pode ser feito para gerar essa atenção negativa sem afetar o produto, mas no caso de Hogwarts Legacy, isso foi feito por eles sem que o time de marketing precisasse fazer qualquer coisa.

J.K. Rowling se tornou uma das personalidades mais controversas da cultura moderna. Alguém que antigamente era considerada progressiva hoje é vista como uma extremista intolerante. Muita tinta digital é desperdiçada para defendê-la ou atacá-la, mas independente do tom, é impossível falar de Harry Potter sem mencionar sua autora hoje em dia. (Vide esse próprio texto).

Eu lhe garanto, existem fãs de Harry Potter que sequer sabiam da existência do jogo. Porque apesar da indústria de jogos ter crescido consideravelmente, todos que participam dela ainda superestimam a sua presença na vida de um cidadão comum. Para a maior parte das pessoas, jogos são no máximo aquelas coisas que algum streamer ou influencer famoso as vezes divulgam como atividade.

E quando portais de alcance considerável como a Globo, CNN ou BBC começam a postar notícias do tipo Hogwarts Legacy: conheça o polêmico fenômeno que tomou a Twitch”, muitos leitores que simplesmente estão lá para as notícias de esporte ou política do dias pensam “Espera, vai ter um jogo do meu filme favorito?”

(Sim, filme. Pode ter originado em livros mas eu garanto que a maior parte conhece através dos filmes.)

Voilá. Temos um marketing que alcança pessoas completamente fora da “bolha” de jogos. Todo mundo que está terrivelmente preocupado com a integridade da indústria de games e faz questão de atacar pessoas a esmo com apenas provas tênues e circunstanciais? Parabéns, vocês foram o impulso final para o jogo alcançar a popularidade que chegou.

Especialmente quando chegamos no ponto de acusar a Pocketpair a usar inteligência artificial na criação das criaturas tendo em vista que o jogo estava em produção desde 2021 já com vários desses designs a mostra.

Nenhuma prova jamais foi levantada, apenas um tweet do CEO da empresa falando que IA estava com cara de ser uma tendência que valesse a pena ficar de olho (coisa que literalmente todo líder de empresa pensou, não importando quão “altruísta” ou “artístico” eles possam ser) e um jogo passado onde misturaram a idéia de Among Us com artes geradas por IA para se encontrar um “impostor de arte” entre eles. Provavelmente o conceito mais interessante para o uso de IA em um jogo desde que o assunto surgiu.

Conforme eu escrevo isso, finalmente abandonaram o argumento de IA quando perceberam que literalmente não haviam evidências que fossem minimamente circunstanciais de que foi usado IA na produção jogo. Coisa que, se eles estão vendendo na Steam, tem que ser divulgado obrigatoriamente. Então pelo menos isso né?

…exceto que agora mudaram para “roubo direto dos modelos usados pela Game Freak”. A fonte? Um usuário com 200 seguidores criado exatamente nesse mês. Nesse caso frequentemente se referencia ao artigo da VGC, que também conta com citações anônimas de desenvolvedores de AAA dizendo que é “impossível ter esse nível de similaridade sem reutilizar o modelo ou meticulamente traçá-los.” Claro que, convenientemente, nunca citam a parte em negrito.

Durante o marketing de Pokémon Sword and Shield, um estudante de animação e modelagem 3D refez um Wingull e uma animação do zero para criticar a qualidade dos modelos e animações. Wingull é, inquestionavelmente, um modelo bem mais simples do que vários utilizados em Palworld. E não temos os dois modelos para compará-los lado a lado. Mas temos o suficiente para afirmar com total certeza de que um time profissional não poderia fazer algo melhor do que um estudante fez em um dia?

Não estou aqui para dizer que essas preocupações são bobagem. Elas devem, no mínimo, ser investigadas. Só que quando eu digo “investigação” eu com certeza não digo um usuário anônimo criado no dia da polêmica sem oferecer nenhuma fonte dos modelos utilizados para comparação e com a motivação de “eu acho que Palworld endossa abuso animal”.

E como o último prego no caixão…

Olha, eu tenho que já antecipar algumas críticas que eu tenho certezas que serão levantadas para o próximo ponto. Eu respeito desenvolvedores. O trabalho de desenvolver um jogo é MONUMENTAL. O tratamento de artistas e criadores por parte da comunidade de games é desumano as vezes. Só que você se torna parte do problema quando você fomenta ainda mais essas polêmicas geradas por pessoas cujas interações sociais são feitas integralmente através de redes digitais.

Um jogo demorou um pouco mais de três anos para ser feito. O produto final ainda está em Early Access. O jogo é bugado e claramente feito por um time pequeno. Eles já estão sendo atacados pelo exato tipo de pessoa que a indústria vive rotulando como “tóxicas”. E você adiciona lenha na fogueira falando que eles trapacearam ou fizeram alguma coisa nefasta sem nenhuma prova além de “intuição de desenvolvedor”?

Me desculpe, mas é exatamente esse tipo de coisa que faz a nossa indústria parecer ridícula. Junto com críticas a Elden Ring por não ter indicadores de mapa ou preventivamente querendo acabar com a noção de que jogos podem ser feitos com a qualidade de Baldur’s Gate 3.

Para uma indústria que clama por legitimidade de outros meios, seja através do Geoff Keighley chamando celebridades de Hollywood para os eventos de jogos dele ou por posts do tipo “porque jogos não são considerado arte?”, é esse tipo de falta de profissionalismo que vai manter a indústria sempre nesse status quo.

Pode até ser que no futuro tenhamos alguma matéria investigativa que realmente prove que houve coisas erradas com o desenvolvimento de Palworld. Ás vezes acontece de um evento tão popular acabar ganhando um novo contexto no futuro com mais informações e mais introspectiva. Só que queimar a largada com “intuição” não vai ajudar ninguém hoje ou nesse futuro hipotético.

Aliás, a uma altura dessa pouco importa se está certo ou não. Se você estiver certo, parabéns, você pode postar “há! eu te disse!” nas redes sociais e ganhar 14 likes e alguns compartilhamentos. Se você estiver errado, contribuiu para um vitriol que levou até a ameaças de morte e a completa desestabilização de um estúdio só porque fizeram uma paródia de uma IP realmente popular. Consegue ver a discrepância entre os dois casos?

Todo mundo tem direito a sua opinião sobre Palworld e sua qualidade. Meu ponto não é que ninguém deve criticar ou não querer apoiar algo porque o seu instinto pessoal diz que há algo errado. Só que partir desse ponto e ir direto para o veredito, pulando a acusação e até mesmo um julgamento, é algo que não se vê nem na loucura de um Ace Attorney. É muita falta de maturidade e profissionalismo de todos os lados envolvidos.

É difícil olhar pra essa situação e não enxergar a mesma coisa que as pessoas que dizem que jogos são coisa “de criança” vêem…