Chamando donos de The Crew: Iniciativa procura ações legais
“No futuro, você não vai propriedade de nada, e você vai ser feliz.”
Contexto (TL;DR no final):
Não faz nem dois anos que a Ubisoft foi o centro de atenção (negativa, é claro) na indústria de jogos. Ao fechar o serviço online de vários jogos antigos, algo relativamente compreensível, também foi anunciado que alguns jogos perderiam certos conteúdos por completo, mesmo sem serem serviços online. Especificamente, não seria mais possível acessar os DLCs de Assassin’s Creed Brotherhood e Liberation HD.
Isso logo após o anúncio inicial dizer, de forma bem clara, “esse título não será acessível a partir de 1o de Setembro de 2022”. A desenvolvedora francesa agiu rápido para reverter essa decisão e dizer que “só seriam afetados DLCs”, o que não é tão melhor para a imagem da empresa.
E é claro, nesse ano mesmo tivemos o anúncio de que os serviços online de The Crew, um jogo de corrida lançado no final de 2014, também estariam sendo encerrados. Só existe um pequeno problema nesse caso. The Crew exige um login nos servidores da Ubisoft para sequer entrar no jogo, mesmo para quem só quiser fazer o conteúdo single-player do jogo, sem qualquer interação com outros jogadores, sejam amigos ou estranhos.
O jogo é o que atualmente se chama de “live service”, um termo cujo significado muda drasticamente entre a teoria e a prática. Na teoria, live services são produtos que são mantidos de forma ativa pelos desenvolvedores. Um termo geralmente relacionado com softwares profissionais comerciais – como por exemplo, AutoCAD, Photoshop, Microsoft Office, Matlab, Filmora, etc – pois são produtos que recebem atualizações constantemente e as empresas sempre estão investindo em novas versões.
Na prática, tudo que isso significa é que o jogo exige uma conexão com a internet a todo momento, mesmo para conteúdo puramente single-player. Existem raros casos de live services bem aceitos pela comunidade, como Deep Rock Galactic ou Warframe, mas até mesmo dentro das histórias de sucesso existem casos como o de Helldivers 2 que de repente podem exigir um login que pode ou não estar disponível no seu país.
Mas o que isso tem a ver com The Crew?
The Crew não foi o primeiro jogo a ser completamente impossibilitado de ser jogado mesmo para compradores legítimos, mas é um dos maiores casos desde que o conceito de live service foi introduzido para jogos. É um jogo que saiu a preço típico de AAA, a 60 dólares, e hoje ninguém mais pode jogar.
A pesar do jogo se descrever como um MMO, ele funciona como qualquer outro jogo de corrida para quem não pretende jogar o modo cooperativo. Aliás, a própria alcunha de MMO é errada pois cada sessão de jogo permitia um máximo de 8 jogadores ao mesmo tempo, longe de ser uma quantidade “massiva”.
E hoje é impossível jogar The Crew, seja sozinho ou cooperativo com amigos. Não é razoável esperar que uma empresa mantenha um servidor funcionando para todo sempre, mas é perfeitamente razoável esperar que alguma ferramenta ou alternativa seja dada.
Ano passado foi comemorado o aniversário da franquia Half-Life, um dos nomes mais famosos da indústria. A Valve lançou um documentário e disponibilizou o primeiro jogo de graça para todos os usuários da Steam para celebrar a ocasião. E mesmo sendo um jogo de 1998, jogadores de longa data ou recém “adquiridos” puderam pular no modo online e jogar já que era completamente mantido pela comunidade.
Encerrar o suporte para um jogo não é sinônimo de cortar acesso para todos os jogadores. É perfeitamente possível remover a exigência de servidores e login para jogar offline ou, preferivelmente, dar as ferramentas que permitam jogadores criarem as próprias instâncias de servidores sem qualquer custo adicional pra empresa.
TL;DR qual a ação a ser feita?
Ross Scott, dono do canal de YouTube AccursedFarms e criador da paródia de comédia Freeman’s Mind, usou a sua plataforma para começar a iniciativa Stop Killing Games. O site contém todas as informações relevantes do movimento, incluindo possíveis ações legais para o Reino Unido e Austrália.
Ross também estuda a possibilidade de uma ação legal no Brasil, mas para testar a chance de sucesso, ele procura sondar quantos brasileiros compraram o jogo. Nessa etapa inicial, todos os donos de uma cópia legal do jogo que estão interessados em reaver acesso ao jogo, ou a simplesmente abrir um precedente que impossibilite empresas removerem seu acesso a um jogo, podem enviar um e-mail para crewemails@protonmail.com dizendo se possui uma cópia de The Crew, ou se recebeu ela gratuitamente de uma promoção, sorteio, ou assinatura.
Nenhuma informação pessoal é necessária, mas se um processo judicial for aberto será permitido a participação voluntária para assinar petições ou oferecer informações adicionais que aumentem o sucesso de tal ação.
No passado a justiça brasileira já agiu em prol do consumidor no caso que a Sony começou a banir consoles que estavam resgatando a PS+ Collection de outras contas. A decisão previa que, mesmo no caso de violação dos Termos de Serviço, a única ação permitida é a restrição do serviço em si, e não do produto. Ou seja, restrições impostas no uso da PSN eram legais. Porém, bloquear o direito de uso ao PlayStation 5 após a compra, não.
Stop Killing Games tem como objetivo abrir precedentes ao redor do mundo que imponham multas ou punições a empresas que revoguem o uso de cópias legitimas por jogadores que não violaram nenhum termo. Contanto que alguns países tenham essa exigência, é provável que tais medidas sejam tomadas de forma global, assim como a famosa política de reembolso da Steam surgiu de uma ação legal na Austrália que exigia a possibilidade de um reembolso inquestionável nem que fosse por um tempo limitado (uma semana da compra, duas horas de jogo).