
Pipistrello and the Cursed Yoyo – Retrô e inovador
Pipistrello é terceiro jogo de grande escala do estúdio Pocket Trap, um estúdio brasileiro fundado em 2013 que se especializou em ports e jogos de portáteis (em especial, Game Boy e suas variações). Depois de Ninjin e Dodgeball Academia, agora temos o auto-proclamado “primeiro ioiôvania”.

Antes de mais nada, algo precisa ser esclarecido. Brasileiros podem não ser as pessoas mais patriotas, mas temos – inegavelmente – um orgulho nato de ver projetos do tipo obter sucesso internacional. Seja um jogador profissional conseguindo resultados impressionantes em competições internacionais ou até mesmo o sucesso do jogo anterior do estúdio. Existe claramente um viés ao julgar produções nacionais.
Tendo dito isso, acredito fielmente que Pipistrello and the Cursed Yoyo mereça completamente os elogios. É um jogo que pega uma estética e premissa nostálgica, mas vai além de fazer o de sempre e adiciona elemenos novos e modernizações que seriam incompatíveis com os jogos que claramente o inspiraram.

A premissa de Pipistrello
A coisa mais marcante da premissa do jogo é a subversão do arranjo clássico de “mocinho e vilão”. Logo de cara o prólogo já conta que o protagonista – Pippit – faz parte de uma família extremamente poderosa que possui monopólio do fornecimento de energia. Sem poupar palavras, não é uma família generosa.
Apesar disso, os antagonistas da história também estão longe de ser guerreiros oprimidos que lutam pela liberdade da cidade. São um grupo de magnatas que estão descontentes com a dominância Pipistrello, mas não por causa das condições precárias que a cidade se encontra, e sim por não serem quem estão em controle de tal monopólio.
Fica claro que se trata de uma história sem heróis, até mesmo o protagonista que dispõe da inocência de uma criança ainda tem seus momentos de pivete mimado. Porém, é impressionante que apesar da premissa parecer extremamente deprimente quando descrita assim, o jogo conseguiu aquela estética perfeita de uma distopia cômica, similar com as que foram criadas por Borderlands ou The Outer Worlds. É uma história que procura se divertir no meio de tragédias e, em boa parte, consegue fazer isso de forma bem sucedida.
Uma jogabilidade meticulosamente construída
Pipistrello é um jogo que acerta em vários aspectos diferentes, mas seu foco é bem claro em entregar uma experiência centrada em uma boa jogabilidade. Pegando o esqueleto criado por Zeldas de Game Boy, o jogo pega um sistema bem simples de telas secionadas e movimento por grade sem ataques ou interações diagonais.
É claro, existe uma certa abundância de jogos que bancam em agradar a nostalgia de jogadores sem oferecer muito além disso. Felizmente, não é o caso do tal “primeiro ioiôvania”. Os sistemas de jogo vão além do esperado, colocando a movimentação de um Zelda com a não-linearidade de um metroidvania e seções de plataforma raramente vistas em jogos do tipo.
O jogo entende um dos pilares mais importantes de game design clássico. Limitações não servem para justificar escassez de conteúdo. O ioiô é mais do que só uma escolha aleatória, é uma forma de utilizar o sistema de grades de forma a permitir mais possibilidades do que deveria. As telas dispõem de paredes inclinadas a quais o ioiô pode quicar e alterar a sua trajetória. Uma mecânica que de início não parece muito além de um truque, mas eventualmente fica claro que todo o kit do personagem foi feito ao redor desse simples artifício.
Um dos aspectos mais importantes de um metroidvania é oferecer habilidades que são mais do que simplesmente “chaves”. Quando as suas habilidades não servem para nada além de abrir caminhos, a jogabilidade se torna repetitiva. Enquanto isso, os upgrades de Pipistrello tem usos em vários momentos durante a jogatina, e também oferecem oportunidades únicas para desafios de plataforma.
Além da movimentação, também é impressionante o trabalho posto em level design para permitir uma livre expressão de habilidade do jogador sem ser excessivamente complexo. O jogo é balanceado perfeitamente entre caminhos óbvios e ambíguos. Certos momentos da história exigem uma habilidade e APENAS aquela habilidade para progredir, mas ao explorar a cidade é difícil encontrar algum upgrade que não possa ser obtido com criatividade ao invés do método “correto”.
Adicionalmente, o jogo também possui um sistema de emblemas parecido com o que foi utilizado por Hollow Knight. Um sistema que não só permite o jogador escolher entre cobrir as suas fraquezas ou acentuar as suas habilidades, também oferece algumas melhorias únicas que podem cobrir situações específicas. É um sistema que encoraja variedade e criatividade ao invés de focar em uma única build.
Esse sistema merece um destaque pelos chamados “emblemas da trapaça” que vão além de simples melhorias numéricas, elas dão habilidades completamente novas que – conforme o nome – completamente quebram o jogo. A descrição até recomenda não utilizá-las de forma permanente, mas foram criados certos desafios que esperam o uso das mesmas. É mais uma faceta de liberdade que o design oferece ao jogador.
São essas qualidades que estão presentes em tudo que Pipistrello faz. Como um outro exemplo, o jogo faz uso de um simples sistema de dinheiro onde moedas estão espalhadas pelas telas e obtidas também por combate. Mas indo além de um simples sistema de comprar por upgrades, o jogo conta com uma árvore de habilidades que são liberadas através de um “agiota”.
Ter o dinheiro em mãos não serve para liberar essas melhorias. Você precisa aceitar um contrato que te impõe uma restrição nos seus status e cada moeda coletada é dividida meio a meio entre o seu bolso e o contrato. As melhores habilidades do jogo exigem uma quantidade exorbitante de moedas, o que te coloca em posições precárias dependendo da tela. Sempre é possível pedir um reembolso, mas o maior custo é abandonar todo o progresso feito até o momento para o contrato.
Pipistrello conta com várias surpresas em jogabilidade. Entre um combate simples porém preciso e seções de plataforma muito bem elaboradas, é um aspecto do jogo que foi muito bem lapidado. O modelo de movimentação por grades e uma câmera fixa em vista aérea pode não ser a preferência de todos os jogadores, mas para quem curte (ou até mesmo é neutro sobre) esses sistemas, não existe muito a se criticar.
Pipistrello dispõe de uma fortíssima direção artística
Apesar de ser um jogo focado em jogabilidade, também existe muito o que se elogiar em tudo que se trata de direção artística. Conforme dito no começo do review, o estúdio Pocket Trap se estabeleceu fazendo ports de jogos para Game Boy. A escolha de estética não é puramente por nostalgia, é a especialidade do estúdio. E retirando a restrição de hardware, é possível trazer melhorias visuais e construir em cima do que já foi feito.

O design dos personagens de Pipistrello são bem diferentes. Elaborando em cima do estilo utilizado para Ninjin (tanto o jogo quanto o desenho animado para a Cartoon Network), criou se um estilo perfeito para emular a estética dos jogos de Game Boy enquanto se mantém uma identidade própria.
A trilha sonora tem algumas músicas que ficam repetitivas, mas na sua grande maioria são excelentes em criar a ambientação da fase e serem agradáveis de se ouvir. O jogo também conta com um bom design de áudio nos seus efeitos, conseguindo cumprir a meta de comunicar as ações para o jogado enquanto evita sons genéricos.
É apenas um gimmick, mas uma das coisas mais legais que o jogo faz é permitir que você o jogue dentro de um portátil. Ao clicar o analógico o jogo é renderizado na tela de um modelo 3D de um portátil genérico que pode até ser rotacionado e inspecionado. É aplicado um efeito de áudio para simular um alto-falante pequeno desses portáteis e até mesmo é possível ligar a reflexão da tela de LCD.
Não é uma função essencial para o jogo, mas é única o suficiente para chamar a atenção. Também não veio as custas de outras opções, o jogo permite uma variedade de escolhas de filtros, fontes e resolução para acomodar o máximo de pessoas possível. O estilo artístico foi feito de forma a se utilizar o filtro de pixel com uma resolução reduzida, mas caso o efeito seja desconfortável é possível desligá-lo e utilizar outro. Ou até mesmo tentar o modelo 3D para reduzir o brilho da tela.

Artísticamente, o aspecto mais fraco do jogo é a sua história. Ela é excelente em manter aquela atmosfera cínica que a abertura cria, e até mesmo tem seus momentos divertidos (com algumas claras referências a costumes e eventos da cultura brasileira, como a fascinação por filas…), mas de uma forma geral é um aspecto do jogo relegado para o segundo plano.

Não é uma história ruim nem mal contada. Mas também não adiciona nada de forma a realçar o resto da experiência. O que é um padrão bem alto para se alcançar, mas tendo em vista que todo o resto do jogo cumpre com folga, fica ainda mais visível que a história é apenas “OK”.
Port, estabilidade, mecânicas extras
Também merece um destaque o cuidado com os aspectos técnicos do jogo. Em particular a sua escolha para seleção de dificuldade. O jogo vem com uma configuração padrão que pode ser considerada a “intenção” dos desenvolvedores, e ela é realmente muito bem balanceada entre desafiar o jogador sem ser excessivamente frustrante.
Porém, caso o jogador ache que certo aspecto é muito fácil ou muito difícil, é possível alterar aspectos individuais da dificuldade. Vida dos inimigos, vida do protagonista, dano recebido/causado, tamanho da penalidade por Game Over, frequência de drops de vida, frequência de drops de dinheiro, negar dano por queda ou até mesmo mudar a velocidade do jogo.

É uma abordagem muito mais agradável do que as configurações pré-definidas com valores imutáveis. Algo que mais jogos poderiam começar a fazer se a dificuldade não é parte central da experiência. Só é uma pena que não existe nenhuma outra mecânica atrelada a isso, nenhuma recompensa ou custo é dado pela alteração desses valores.
Além disso o jogo também conta com algumas funcionalidades surpreendentes. O port para PC tem suporte total ao controle DualSense, colocando o feedback do gatilho para todas as ações e automaticamente adaptando a interface dependendo se o controle usado usa o modelo de Xbox ou Playstation. Também é possível reconfigurar cada ação individualmente e até mesmo separar ações duplicadas.
Speedrunners também não foram deixados para trás, o jogo conta com opções para automaticamente pular todo e qualquer diálogo, outra opção para mostrar o tempo de jogatina na tela, e até mesmo salva o tempo que o jogador levou para completar cada etapa do jogo.

Estruturalmente, existem apenas duas falhas com esse jogo. A primeira é a falta de uma opção de janela sem borda nativa. A sua configuração de tela cheia exclusiva lida muito mal com overlays e “alt+tabs”, e a versão de janela precisa de programas externos para emular tela cheia.
E a segunda, é a organização dos menus em certas situações. A interface de usuário é geralmente muito bem feita, mas existem algumas falhas que são garantidas incomodar em alguns momentos. Como a repetição de escolhas de diálogo para escolher as batalhas de arena, ou de não dispor um botão específico para abrir o mapa diretamente (ou recentralizar, procurar, etc). De novo, não são problemas gravíssimos, mas são mais perceptíveis que de costume quando tantas outras partes do jogo receberam tanto cuidado e capricho.
Enfim, Pipistrello and the Cursed Yoyo vale a pena?
Para quem gosta do gênero de jogo ou fisgou a sua atenção pelos trailers, Pipistrello com certeza entrega o que promete e um pouco a mais. Sendo uma produção brasileira existem duas coisas que ele vai fazer melhor que a competição: Preço regional e “tradução” para português. É um jogo de 10 a 20 horas (dependendo de quanto conteúdo extra o jogador faz) com um preço bem condizente ao conteúdo entregue. Também possui um ótimo valor de rejogabilidade com New Game+ e assistências de speedrun.

Todo o valor de produção do jogo é excelente. Animações, design, áudio, trilha sonora, quase tudo que faz é, pelo menos, acima da média. É uma experiência que realmente só falha em agradar quem não gosta do gênero como um todo, mas até tem potencial em ser a “exceção” para a regra de alguém.
PROS:
- Jogabilidade excelente;
- Fortíssima direção artística;
- Controles responsivos;
- Port (quase) perfeito;
- Genuinamente engraçado as vezes;
- Bom preço regional e “tradução” para português (e inglês também).
CONS:
- Algumas menus inconvenientes;
- Falta de um modo borderless nativo.
PLATAFORMAS:
- PC – Steam (Plataforma analisada, chave gentilmente cedida por Pocket Trap);
- Nintendo Switch;
- PlayStation 4/5;
- Xbox One /Series.
NOTAS:
Jogabilidade: | Qualidade dos controles | 10 |
Design (Dificuldade, Level, Criatividade) | 10 | |
História: | Enredo | 8 |
Narrativa | 10 | |
Arte: | Gráficos | 10 |
Direção artística | 10 | |
Audio: | Efeitos Sonoros | 10 |
Trilha Sonora | 10 | |
Port | Estabilidade | 10 |
Otimização | 9 | |
NOTA FINAL: | 9.7 |
Só pra constar: Spinmaster é o primeiro ioiôvania. Pipistrello é diferente o suficiente pra não dizer que é uma cópia, mas precisava ser dito. 😀
