Last Call BBS é um nome apto para o jogo, pois será o último projeto do estúdio Zachtronics. Avaliá-lo por si só é algo impossível de se fazer pois o contexto da criação e execução desse jogo é parte integral do que é a obra como um todo.

Então para quem não sabe do que se trata: Os jogos da Zachtronics se encaixam no que deve ser um dos nichos mais específicos da indústria, se não for O mais específico. Estamos falando de jogos de quebra-cabeças com temas de engenharia, programação e industrialização. É nesse momento que qualquer pessoa diria “É melhor do que parece, confia em mim.”

Uma breve história de Zachtronics

Criada no ano 2000 por Zach Barth, a empresa inicialmente não desenvolvia jogos como se conhecem hoje. Fazendo jogos de browser em Adobe Flash ou aplicações menores com um propósito mais educacional e acessível. Suas aplicações eram feitas em colaboração com o Centro de Serviços para Deficiências, o que fazia com que seus jogos fossem feitos com um propósito bem específico e distinto do jogo comercial que conhecemos na indústria.

Após vários jogos e estudos publicados pelo Instituto Politécnico de Rensselaer, Zach tinha mais algumas idéias para jogos além disso. Infiniminer foi um de seus primeiros projetos, um jogo de browser onde se minerava cavernas e o mundo era todo composto de blocos para facilitar o processo de geração procedural e o balanceamento do mesmo. Se isso parece familiar, é porque Infiniminer é reconhecido como uma das inspirações para a criação, surgimento e popularidade de Minecraft.

Foi só após um jogo chamado “O Codex de Engenharia Química” que Zach resolveu partir para o mercado de jogos da forma como conhecemos hoje.

Os precedentes de Last Call BBS

Apenas uma década depois da existência do estúdio que lançaram seu primeiro jogo standalone para o mercado. SpaceChem é um jogo temático de química onde tomamos o cargo de um sintetizador para as colônias espaciais. Apesar das aparências, química só é usada como tema para o jogo. Não é necessário nenhum conhecimento na área, e nem sequer serve de ensino prático para química já que o processo de manipulação dos átomos é completamente fictício (apesar de obedecer algumas regras reais). SpaceChem foi um moderado sucesso comercial e crítico, apesar de ser brutalmente difícil após sua primeira metade. Zach mesmo admite que não foi algo completamente intencional e todos os seus jogos subseqüentes foram feitos com mais cuidado para que todos possam aproveitar e não só “os engenheiros loucos”.

Todos os seus jogos de quebra-cabeça a partir desse ponto seguem um padrão parecido. Shenzhen I/O e TIS 100 usam a linguagem Assembly de base para seus problemas, mas com várias mudanças e um conjunto de regras próprias fazem com que mesmo alguém que nunca aprendeu o básico de um Phyton, Java ou C++ na vida consiga jogar apenas lendo as instruções contidas nos jogos.

Opus Magnum e Molek Syntez expandiram em cima de SpaceChem e usaram um sistema de “braços” para manipular as moléculas e introduzir uma nova forma de se resolver os problemas. Opus Magnum em particular nem sequer é sobre química, é sobre a famosa alquimia fictícia de se transformar chumbo em outro ou usar elementos de Vitae (vida) ou Mors (morte) em suas produções. EXA Punks combina um pouco de cada com programação, manipulação de blocos, sequência de ordens e fábricas para criar um dos jogos mais complexos no que se trata de possibilidades sem ser o mais difícil entre eles.

Infinifactory é provavelmente o jogo mais acessível de seu catálogo, usando um sistema de blocos a lá Minecraft para criar fábricas de produção de maneira instintivamente lógica. Não existe nenhum segredo e é provavelmente o quebra cabeça menos intimidador do catálogo do desenvolvedor.

Além de quebra-cabeças também fizeram alguns jogos diferentes, Ironclad Tactics é um RPG de turno baseado em deck de cartas. Mobius Front 83 é um jogo militar de estratégia em turno. Eliza é uma visual novel sobre Inteligência Artificial. Temos até um jogo de paciência competitivo em Nerts! Online, que é mais divertido do que realmente deveria ser.

Se nada, a sua trajetória pela indústria – por mais modesta que seja – prova a flexibilidade do meio em deixar qualquer coisa interessante e “jogavel”. Não existe um equivalente para o que eles fazem. E infelizmente…

Last Call BBS – A última chamada

Ao ponto que finalmente podemos falar sobre o jogo em questão, Last Call BBS é o ponto final do estúdio. Ainda mantendo o tema de programação e engenharia, a história desse jogo toma um caráter mais “meta” e menos fantasioso. O jogador recebe um computador fictício chamado o Sawayama Powerlance Z5 junto com um bloco de notas explicando que o computador foi doado por alguém a seu pedido. Para facilitar o estudo e manter a autenticidade da experiência da época, esse doador também reconfigurou o seu BBS da época: Last Call

Um BBS era um dos precursores de fóruns da internet. Chamado de Sistema de Quadro de Avisos, um BBS era um fórum curado por uma pessoa contendo notícias, arquivos, conversas, jogos e vários arquivos disponíveis para download. O Last Call BBS era um fórum onde o doador (conhecido apenas como o “Garçom”) colocava certos programas e jogos para download.

Os jogos de Last Call

Toda a temática do jogo gira em torno de explorar um computador antigo e a dinâmica da internet de outrora. Junto com conexões discadas, o tempo de download para arquivos pequenos, as limitações de hardware e outros. Cada jogo incluso em Last Call possui várias anedotas do Garçom explicando porquê tal jogo foi incluído e como ele conheceu as pessoas envolvidas no projeto.

Dentro do Sawayama temos o Dungeons & Diagrams, um joguinho simples que pode ser definido como uma mistura entre Campo Minado e Sudoku usando uma camada de RPG. O único quebra cabeça “rígido” no catálogo que completamente desobecede as regras de várias soluções para o mesmo problema. Duas formas diferentes de Paciência, uma da qual usa um baralho japonês Kabufuda. Um repeteco de EXA Punks com o minigame inspirado por Magical Drop – Hack*Match. Dois típicos quebra-cabeças Zachtronics em 20th Century Food Court e ChipWizard™ Professional e um peculiar em X’BPGH The Forbidden Path.

Todos tem o seu valor na coletânea, mas os três mais notáveis são Food Court, Chipwizard, e Forbidden Path por usarem a filosofia de design típica de Zachtronics.

“Eu tinha que incluir um jogo da Zachmatics nessa coletânea. Eles eram um patinho estranho em um lago de patinhos estranhos.

Nesses primeiros dias não tinha um consenso do que um jogo de computador deveria ser, então se via todo tupo de idéia que pareceria bizarra pelos dias de hoje. Imagina ver um estúdio inteiro dedicado a fazer jogos onde você tinha que fazer programação de computador para passar de tela. Um nicho e tanto, né?”

É possível completar qualquer um desses jogos em qualquer ordem. Conforme é feito progresso em qualquer um deles mais informação é entregue para o jogador, e muitos desses logs são surpreendentemente meta. Muitos falando de como eram as coisas para quem “fuçava” com computadores na época e como a indústria de jogos evoluiu e teve a sua cota de dramas e rebuliços.

 Food Court é provavelmente o mais familiar para quem conhece os outros jogos de Zachtronics. Usando lógica analógica ao invés de programação faz as suas soluções serem um pouco mais fáceis que de costume, mas a maior dificuldade vem em descobrir os controles e o que cada coisa faz, com era de praxe para jogos antigos.

ChipWizard tem a clássica aparência intimidadora, mas é amplamente baseado em tentativa e erro para ensinar. Alguns dos seus últimos níveis são extremamente rígidos nas suas especificações, o que o faz ser um dos puzzles mais fracos que já foram feitos pelo time, mas que é perfeitamente aceitável tendo outras opções e um tema por trás da inclusão do mesmo.

The Forbidden Path provavelmente é o mais estranho de todos, não tendo nenhum tipo de tutorial ou explicação. É um jogo simples quando se aprende as regras, mas um tipo de ensino puramente baseado em tentativa e erro é algo completamente inédito para quem acompanha esses jogos. A atmosfera de bodily horror/gore também é algo incomum de se ver, e vale a pena nem que seja pelo quão único que é a idéia.

Os outros jogos todos são divertidos na sua própria medida, apesar de nunca serem mais do que conteúdo secundário ao que realmente interessa. Hack*Match talvez tenha gasto toda a vontade do jogador dependendo de quanto cada um jogou ele em EXA Punks, não houve nenhuma alteração drástica e o jogo em si nunca foi mais do que uma variação menor de Magical Drop.

O “Last Call” de Zachtronics

E conforme dito anteriormente, esse será o último jogo do estúdio. O fundador do estúdio, Zach Barth, conseguiu um emprego dos sonhos sendo professor de Ciência da Computação e não tinha mais tanto tempo para dedicar fazendo jogos. Seus colegas também estavam se sentindo estagnados no tipo de jogos que estavam fazendo e na forma que o estúdio operava, o que resultou em uma decisão unânime em seguirem seus caminhos.

Assim como toda a sua trajetória, o ponto final na história de Zachtronics também é um caso à parte na indústria. É um encerramento que não foi causado por diferenças criativas, escândalos, problemas de verba ou qualquer outra história que já ouvimos antes. Eles simplesmente querem expandir os seus horizontes, mas cada um com as suas próprias ambições e nem todas elas relacionadas a fazer jogos ou puzzles de design.

“Até onde eu sei, Ilkka ainda vive naquela cabina na vila pequenininha da Finlândia. Entre alguns anos nós ainda escrevemos um para o outro, só pra checar como vão as coisas e discutir sobre os velhos tempos.

Algumas vezes eu quero perguntar porque ele nunca fez outro jogo já que ele parecia ser perfeitamente capaz nisso, mas eu acho que eu já sei a resposta.

Fazer jogos não era o que ele queria fazer pelo resto da vida. […]Para ele, era só para saber se ele poderia fazer algo do tipo. Ele fez, e aí partiu para outros projetos. Alguns de nós gostam de permanecer em movimento desse jeito.”

Last Call BBS não é um jogo épico, grandioso ou o que se imaginaria quando alguém fala de um projeto final de um estúdio. Porém, independente disso, ainda é uma viagem nostálgica para quem acompanhou o ramo de TI desde seus primeiros dias e é uma experiência um tanto quanto emocional ao ver a trajetória desse estúdio peculiar e as lições deixadas para quem procurar estudá-las.

Até mais, e obrigado pelos bytes!

PROS:

• Nostálgico, agridoce e emocionante para fãs de “Zach-likes;
• Um dos jogos mais acessível do catálogo;
• Bela impressão de como era usar computadores antigamente;
• Excelente direção artística e coesão visual;
• Um enredo meta sobre a indústria entregue por uma narrativa simples e eficiente.

CONS:

• Versão de gamepass possui problemas de otimização;
• Continua sendo um produto de nicho para fãs de tecnologia e programação;
• Deixará um vazio ao perceber que não existirão mais jogos como esse.

PLATAFORMAS:

• PC – GOG, MS Store (Gamepass; Plataforma analisada), Steam.

NOTAS:

Jogabilidade:	Qualidade dos controles	8
	Design (Dificuldade, Level, Criatividade)	8
História:	Enredo	10
	Narrativa	10
Arte:	Gráficos	10
	Direção artística	10
Audio:	Efeitos Sonoros	10
	Trilha Sonora	8
Port	Estabilidade	8
	Otimização	10
NOTA FINAL:		9.2

Zachtronics foi um marco na história dos videogames. Uma prova de que o meio é extremamente flexível e que existe um nicho sustentável para tudo, não importa o quão específico pareça. Nunca existiu alguma empresa com quebra-cabeças parecidos e provavelmente nunca mais vai existir, mas em uma indústria tão volátil e as vezes até nociva, talvez terem morrido como heróis foi a escolha correta sendo já temos muitos que viveram para se tornar vilões. Last Call BBS é um jogo simples, nem sequer é o melhor do catálogo deles, mas é um adeus inexplicavelmente emocional e amargo. É um jogo cujo carinho pelo que fazem é palpável, e é uma carta de amor para todos que compartilhavam, a ainda compartilham, os mesmos interesses.

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