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Activision/Blizzard é processada por discriminação e abuso sistêmico de mulheres empregadas

No dia 20 de Julho o estado da Califórnia arquivou um processo contra o conglomerado Activision/Blizzard e 10 réus anônimos. O querelante, o Departamento de Empregamento e Alojamento Justo (abreviado para DFEH daqui em diante), alega violações nas legislações de direitos civis e leis de pagamento equalitário e exige um julgamento por júri. No estado atual do processo, a ação vai para julgamento ou terá acordo afirmado num futuro próximo.

Para uma melhor compreensão da situação, vamos separar em dois tópicos. Primeiramente o aspecto judicial, tomando uma perspectiva analítica do processo, as acusações que estão sendo feitas junto com os prováveis desfechos; e depois algumas das acusações que, se forem provadas verídicas, demonstram uma das piores condições de trabalho para mulheres na indústria.

O processo

Richard Hoeg, advogado no estado de Michigan, detalha muitos aspectos da ação judicial olhando de forma profissional. Seus vídeos tem caráter educativo para informar pessoas fora da profissão como o processo legal geralmente funciona. Vamos repassar os pontos chave.

A reinvindicação primária da ação judicial dita que Activision/Blizzard tem um problema sistêmico de negligência maliciosa em respeitar as leis de pagamento equalitário. O processo lista vários casos de abuso e sexismo como forma de chamar a atenção da corte e evitar que o documento seja rejeitado, mas a reclamação primária é que a empresa deliberadamente discrimina mulheres que trabalham na empresa. Isso é importante pois se a empresa não aceitar acordos e decidir uma luta na corte, provar um abuso sistêmico de poder é um caso extremamente difícil e elongado onde tem que ser provado que a empresa inteira, composta de mais de 9500 empregados, falhou em manter a ordem e os casos de discriminação não podem ser atribuídos apenas a algumas bad apples (maus elementos) isolados. O caso também poderia trazer implicações para a mulher de cargo mais alto na empresa, ocupando a posição de Chief People Officer (CPO), que é o cargo responsável pelo departamento de Recursos Humanos e normalmente é um dos réus em processos similares, mas que aqui está sendo usada como exemplo de discriminação. Um ponto que se o caso for para julgamento, seria fácil de ser usado pelos advogados da Activision em seu favor.

O caso usa como pilar a violação § 1197.5 que dita que duas pessoas que exercem o mesmo cargo de forma similarmente competente não podem ter diferença salarial entre si. Encabeçando o caso o DFEH são os cargos chefe, e é impossível provar que cargos como CEO, CFO, COO, CPO e CLO são equivalentes em remuneração. Além de trazer algumas acusações de funcionários jogando Call of Duty como exemplos de evasão de tarefas onde tal comportamento pode ser facilmente justificado como parte do processo de pesquisa e refinamento do produto, independente de ser verdade ou não. De forma geral, seja por ingnorância ou capricho, muitas das reinvindicações feitas pelo DFEH são fáceis de se refutar nos olhos da lei, além de muito dos piores casos se basearem em anedotas e testemunhas anônimas, o que nunca é usado em corte.

O caso foi arquivado um dia antes do prazo final firmado em um acordo entre os envolvidos, o que pode explicar a falta de provas concretas para cimentar o caso, e a nomeação de “10 réus anônimos” que serão descritos após a coleta de dados que será requerida pela prossecução. É incerto que esse prazo possa ter sido extendido, mas isso implica que a negociação entre a Activision e DFEH antes da ação judicial não foram amigáveis.

A Activision respondeu publicamente ao caso dizendo que o estado de Califórnia agiu de má fé usando casos falsos ou distorcidos e que ao invés de seguir procedimento padrão com uma investigação privada eles correram para arquivar um processo e fazer deles um exemplo para provar que suas leis são rígidas. Essa resposta foi incomum e está trazendo ainda mais atenção para o caso devido sua natureza combativa. Hoeg diz que acredita que essa declaração não tenha sido examinado ou redigido pelo departamento legal, e que isso é passível de complicar o caso ainda mais. Alguns emails vazados demonstram a companhia em caos internamente.

De forma resumida, o caso tem boas chances de ser decidido por um acordo fora das cortes. Uma ação judicial é um dreno de dinheiro que empresas geralmente tentam evitar, e na etapa de coleta de provas vários arquivos que normalmente são confidenciais são exigidos que sejam divulgados para a corte e subsequente arquivados, dois aspectos que podem ter um severo impacto na operação da companhia. A resposta agressiva da Activision insinua uma batalha legal, se esse for o caso, será um processo lento e repleto de tecnicalidades que pode beneficiar o lado da Activision devido a tendência do DFEH de fazer alegações severas e insinuar negligência maliciosa em todos os aspectos reinvindicados, mas ao mesmo tempo pode acabar providenciando as provas necessárias para corroborar as acusações, o que trará ainda mais repercussões que o julgamento em si.

As acusações

Muito do que é listado na ação judicial é declarada de forma anedotal e, até o momento, não comprovadas. Vale lembrar que ações do tipo fazem acusações amplas e propositalmente vagas para chamar a atenção da corte e mídia, nesse estágio ainda não há compromisso com a veracidade dos relatos, apenas com as reclamações que pretendem ser investigadas. Porém a severidade das acusações é tamanha que elas devem ser listadas. Se forem comprovadas pelo DFEH, o ambiente de trabalho é extremamente hostil e desumano, comparável aos casos da Ubisoft e Riot Games, ou até pior.

Funcionários homens aparecem orgulhosamente bêbado ao serviço (…) delegam suas responsabilidades para as mulheres, frequentemente conversam sobre encontros sexuais, falam abertamente do corpo feminino e fazem piadas com estupro.

Em um exemplo trágico do abuso que os réus permitiram acontecer em seus escritórios, uma funcionária cometeu suicídio durante uma viagem da empresa devido a uma relação sexual que ela tinha com seu superior. A polícia confirmou que tal supervisor trouxe sex toys e lubrificante nessa viagem. Outro funcionário também confirmou que a funcionária em questão pode ter sofrido de outros abusos no trabalho antes de sua morte. Mais especificamente, em uma festa de um feriado antes de sua morte, seus colegas de trabalho alegadamente estavam compartilhando uma foto de sua vagina.

(…) mulheres são atribuídas para posições mais baixas, tem atrasos em seu avanço de carreira (…) e são negadas promoções por que podem ficar grávidas mesmo quando faziam trabalhos acima de suua posição em uma maior carga horária.

Como um resultado das práticas de empregamento do réu, funcionárias mulheres sofreram e continuam a ser prejudicadas, incluíndo mas não limitado a menor slário, menos benefícios, menos oportunidades de empresa e outros danos não-econômicos.

A acusão pode ser verificada na íntegra aqui, existem vários exemplos chocantes. Esse caso vale a pena ser acompanhado de perto, a Activision/Blizzard é foco constante de críticas pela sua ganância e qualidade de seus jogos, mas é uma empresa inegavelmente lucrativa. A conscientização dos consumidores da indústria é tão importante quanto a ação legal visando provar tais condições de trabalho abismais. Reportaremos quaisquer avanços futuros no caso, mas tenham em mente a empresa que sustentam.

Update: Jason Schreier reportou um documento assinado por aproximadamente 1000 funcionários e ex-funcionários da Activision corroborando as acusações. O documento não está disponível ao público no momento, então é incerto como isso poderá afetar o processo.

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