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Undertale – Uma experiência incomum

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AVISO: Esse texto contém vários spoilers de Undertale. Ter jogado não é necessário para sua compreensão, mas é recomendado.


Eu não lembro exatamente quando eu comprei Undertale, provavelmente na primeira ou segunda promoção desde seu lançamento. Na época, jogos Indies estavam começando a surpreender com a sua qualidade, e esse estava entre vários outros no meu radar. Com a reação positiva que ele recebeu, eu não tardei em adicionar ele para minha biblioteca, mas é claro só iria começar a jogar depois que terminasse todas as pendências. No meio tempo eu acabei esbarrando com a parte mais, erm… Irritante da fanbase. Não é algo exclusivo desse jogo, absolutamente tudo tem a sua dose de fãs obnóxios, e eu acredito que todo mundo já teve uma experiência ruim com algo só por causa de sua fanbase e não pela qualidade do produto em si.

Então é claro, eu não queria me forçar a jogar ele só para ficar procurando defeitos, mas ao mesmo tempo fui perdendo a vontade de jogá-lo. Era impossível participar de qualquer fórum ou rede social sem algum meme ou discussão de Undertale, e eventualmente eu já sabia metade do jogo sem nunca sequer ter rodado ele pela primeira vez. Já conhecia todos os personagens, sabia da existência das rotas pacifista e genocida, sabia que a rota genocida “manchava” o seu save para sempre, e é claro, provavelmente ouvi toda e qualquer trilha sonora icônica do jogo. Foi apenas recentemente que um amigo me impulsionou a jogar finalmente, e sem nada melhor para fazer eu decidi dar uma chance, mesmo que de contragosto. Eu já tinha perdido a experiência de descobrir as várias mecânicas e personagens, o que mais poderia me surpreender?

Nomeie o “humano que caiu” (não disse qual).

Muito mais do que eu esperava aparentemente, logo nas Ruínas eu já estava investido em sua história. Undertale anda uma linha tênue entre subverter sistemas de jogo e usar eles a seu favor. “Ludonarrativa” é um termo bastante utilizado hoje em dia para jogos que tentam entregar um pouco mais na história do que simplesmente um contexto para a jogabilidade, e eu acredito que Undertale seja um dos melhores exemplos de como isso pode ser usado de forma inovadora, tanto que somos bombardeados por isso logo no início. Os sistemas de tutorial são simplificados ainda mais por Toriel, o que serve para desenvolver ainda mais o personagem dela como uma criatura extremamente protetora e pacífica. Logo somos introduzidos a um sistema de RPG onde você deve EVITAR combate, mesmo ele jamais tirando sua opção de lutar. Nas primeiras horas já tivemos todos os sistemas de jogo explicado para nós enquanto somos introduzidos aos personagens e ambientação contidos em Undertale simultaneamente. Nós temos as regras do jogo (que são extremamente incomuns para um RPG de turno), uma introdução a uma das personagens mais carismáticas já feitas, uma boa amostra do que esperar das suas trilhas e, logo ao sair, uma chance de ser sua primeira quebra da quarta parede ao julgar o JOGADOR por ter matado e depois carregado para poupar Toriel.

Acho seguro dizer que a esmagadora maior parte dos jogadores não vai querer matar Toriel, mas nós somos levados a acreditar que precisamos pelo menos enfraquecê-la até podermos poupá-la, até eventualmente um ataque causar MUITO mais dano do que esperado. Isso é intencional, e eu provavelmente teria caído nessa armadilha se tivesse jogado no lançamento. Que o Flowey reconhece e menciona a sua habilidade de salvar não é só um dos principais momentos de Undertale usando a mencionada ludo narrativa de uma forma completamente bizarra a seu favor, também é um momento feito para deixar os jogadores pensando “Posso ter os mesmos poderes do Flowey, mas não significa que sou igual”. E isso é crucial mais para frente.

Voltando a minha própria experiência, ao explorar Snowdin eu percebi que boa parte das músicas de ambientação não foram tão utilizadas quanto as de chefes pela sua fanbase, e eu não acho que estou exagerando quando eu digo que a trilha sonora é um dos pilares do jogo. Um amigo meu que perseguiu carreira de música é completamente fascinado por OSTs de videogame e usou elas em vários trabalhos de pós-graduação. Segundo ele, as melhores no gênero são uma categoria completamente diferente de música por não serem obras feitas com intuito de vender discos, capitalizar em popularidade, ou até mesmo como uma expressão do próprio artista. São músicas feitas para serem acompanhadas de certos cenários, personagens e/ou sentimentos, e as vezes precisam até reagir a ações dos jogadores. São emoções em áudio.

Apesar do tom dramático e talvez pretensioso, não é difícil entender o ponto de vista dele. Persona 5 consegue canalizar o desejo por mudanças com Life Will Change e Wake Up, Get Up, Get Out There. Uma melancolia de luto com The Days When My Mother Was There. Ou talvez invocar um desgosto enorme por tarefas repetidas como se fosse a mesma batida de novo e de novo e… Imagino que vocês saibam qual música eu estou me referindo.

Vários outros exemplos existem para corroborar a idéia, Klonoa, Einhander, Legend of Zelda, Demon’s Souls, Shadow of the Colossus, Final Fantasy… Até mesmo usar trilhas existentes podem tomar um novo significado no contexto de um jogo, como o famoso momento onde Asylum for the Feelings toca no contexto de Death Stranding. Músicas em videogames podem ser partes importantes da experiência.

E Undertale não é exceção. Como um simples exemplo, logo no começo temos uma trilha de 20 segundos que só é usada em toda a duração do jogo nesses 20 segundos, para te fazer questionar se você está sendo traído ou abandonado.

Infelizmente essa parte falhou comigo pois eu já sabia que Toriel era de confiança quando eu comecei a jogar, mas isso não me impediu de notar e apreciar o esforço feito para uma única música te induzir a questionar coisas sem que nenhum diálogo seja necessário. O tema reflexivo das Cataratas quando começamos a entender o mundo dos monstros, o tema de Mad Dummy repetindo três notas assim como o personagem repetindo três palavras, o tom heróico de Spear of Justice e vingativo de Battle Against a True Hero, absolutamente toda música serve como um realçador para os personagens, história e ambientação. Fora a dinamicidade das trilhas da rota genocida tomarem tons completamente diferentes e sombrios como um exemplo dela reagindo a suas ações. De fato, eu poderia passar por quase toda música e falar do quão genial ela é em contexto ou em mérito próprio, mas eu acho que simplesmente tocar His Theme para alguém que já zerou e ver as lágrimas já prova o ponto da importância de sua OST.

E então eu senti que realmente começava minha jornada, qualquer receio que eu tinha já havia desaparecido e Undertale já estava começando a deixar sua marca em mim. Tanto que já estava até me jogando fora de minha zona de conforto.

O que eu quero dizer com isso, é que quando dada a opção eu geralmente faço meus personagens serem moralmente corretos com uma boa dose de “anti-herói”. Não é o arquétipo mais original ou interessante, mas é o que eu mais me sinto confortável. Fallout, Outer Worlds, Divinity, quando eu estou em controle da história esse sempre é o molde do meu personagem, porém em Undertale eu estava DETERMINADO (impossível falar desse jogo sem fazer essa piada pelo menos uma vez) a ser o estereótipo do mocinho que jamais faz mal, e não somente porquê isso é o pré-requisito para o verdadeiro final, mas pelo simples voto de confiança que Toriel nos dá ao sair das ruínas. Qualquer morte causada por mim também seria culpa dela por nos salvar e posteriormente nos deixar ir (mesmo que relutante). Quantas vezes você se sentiu tão apegado a um personagem que isso te fez mudar a percepção do que você deveria fazer em um jogo? Talvez eu seja apático, mas isso não acontece com muita frequência. Sim eu escolho um personagem moralmente correto, mas não por afeição a qualquer personagem e sim pelo que eu mesmo gosto de fazer, e mesmo assim eu resisti lutar de volta em várias ocasiões que se fosse qualquer outro jogo eu retaliaria.

EU VOU TE MOSTRAR QUEM É O PIRR… Não. Paciência. Tem que ter uma outra alternativa!

Mas essa é uma das mensagens do jogo, o primeiro grande momento de compreensão sobre “o que é Undertale?”. Papyrus tem como objetivo ser capitão da Guarda Real, o objetivo que ele vocaliza para todos é ser admirado como um herói, e não é até o confronto conosco que ele realmente coloca em questão se isso é o que ele realmente sente. Sendo um dos personagens de melhor índole, esse conflito não parece tão grande, mas ainda é algo perceptível desde a primeira introdução onde ele se demonstra animado com a idéia de capturar um humano até mesmo desativar uma armadilha que ele julgava ser perigoso demais.

Todos os personagens passam pelo mesmo processo de auto-avaliação, Undyne em perceber que nem todo humano seria um vilão cruel, Mettatton ao ter um objetivo tão focado que perdeu visão do resto que é igualmente importante, Alphys em confrontar seus erros e aceitar quem ela é ao invés de quem ela gostaria de ser, até mesmo Toriel e Asgore ao perceber o quato o julgamento de cada mudou por causa do luto.

Tal processo nunca é unilateral também, nós temos que mostrar compreensão e até mesmo um certo nível de sacrifício para ajudar todos chegarem nessa conclusão. Retaliar ao primeiro sinal de conflito pode não parecer moralmente errado de início, mas depois de conhecer a história de cada um e perceber que ninguém aqui é uma realmente uma ameaça, isso ainda é verdade?

Como Sans mesmo diz em seu julgamento na rota pacifista. “Você nunca ganhou nenhum nível. É claro, isso não siginifica que você é completamente inocente ou ingênuo, só que você manteve um pouco de sensibilidade em seu coração. Independente dos desafios a sua frente, você se esforçava para fazer a coisa certa. Você se recusou a machucar qualquer um que fosse, mesmo quando teve que fugir, você o fez com um sorriso.”

Undertale é excelente quando jogado nos termos dele, cada personagem tem uma personalidade distinta e um carisma enorme que os colocam  em primeiro plano. Assim como boa parte dos RPGs que incentivam interação entre seus party members (como Persona, Tales of, Legend of Heroes, Record of Agarest War, Valkyria Chronicles) eles se tornam o jogo. São como se fossem amigos na vida real, e presenciar o crescimento deles é algo que fica gravado em você, como o momento que você percebe que o Sans não era tão pacífico assim e passou por um momento de reflexão igual ao esbarrar caminhos com Toriel.

Com tudo isso, posso dizer que já são qualidades o suficiente para considerar um jogo perfeito dentro de seu objetivo. Mesmo com o seu começo parado, visuais horrendos, e um sistema de batalha talvez um pouco mais rígido do que realmente deveria ser, nenhuma falha é grande o suficiente para realmente derrubar a qualidade do jogo com um todo. Mas Undertale não se contentou com isso, ele ainda tem uma última lição nada sutil para todo mundo que chegou até o seu final, e fez o que todo jogador faz quando termina um jogo que significou tanto para gente. Iniciamos um new game plus.

É nesse momento que voltamos para o início do jogo (e do texto). Sua total falta de sutileza ao mencionar que é um jogo enquanto faz com que você sinta que é mais do que simplesmente isso.

Em outras palavras, toda essa jornada, toda essa experiência, ela significou algo para você? Se sim, suma daqui, Undertale serviu seu propósito. Caso contrário, essa obsessão por acaso vai te trazer alguma coisa? E você ainda pode dizer que é diferente de Flowey que viveu a mesma história tantas vezes até pegar apatia por ela e todos contidos nela? Como Asriel diz: Você não tem nada melhor pra fazer?

Foi nesse momento que Undertale se tornou uma verdadeira experiência e não somente um jogo para mim. Eu jamais teria a coragem de fazer uma jogatina genocida após conhecer e gostar tanto de cada um desses personagens, mas mesmo revivendo a mesma história, eu poderia dizer que ela significou algo para mim além desse mundo contido? Depois de ajudar todos os monstros a conseguir sua esperança de volta e um futuro novo, Asriel retribui o favor ao pedir que você faça o mesmo com aquele triste sorriso de um adeus.

Depois disso eu fiquei alguns dias sem vontade de começar nenhum outro jogo enquanto ponderava o que é que eu acabei de zerar. Conforme esses pensamentos tomaram forma eu os pus aqui, deletei o jogo e todos os arquivos, preferencialmente para sempre. Em rumo ao próximo jogo, a próxima análise, a próxima grande aventura, seja simulada ou real.

Sim… Undertale é uma experiência incomum que nos coloca em tipo diferente de protagonismo.

Notas:

Jogabilidade:Qualidade dos controles10
Design10
História:Enredo10
Narrativa10
Arte:Gráficos10
Direção artística10
Audio:Efeitos Sonoros10
Trilha Sonora10
PortEstabilidade10
Otimização10
NOTA FINAL:10.0

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