Destaque,  Games,  Indie,  PC,  Playstation,  Xbox

Melhores dos 10s – Soma

AVISO: Esse texto contém spoilers da história do jogo. Caso tenha interesse em jogá-lo, é recomendado fazer isso antes.
Verifique o nosso artigo anterior na série de melhores da década, sobre Metal Gear Solid V.

Soma é indiscutivelmente uma das experiências mais marcantes que eu já tive um jogo, ou melhor, com qualquer ficção através de todas as mídias. Não é um jogo sem falhas, mas é um jogo cujos acertos são inigualáveis.

Para quem nunca ouviu falar nada sobre ele, Soma é a terceira IP (e quinto jogo) do estúdio sueco Frictional Games. A desenvolvedora sempre focou em jogos de terror e se desviava um pouco da norma  ao não entregar nada para o jogador que pudesse ser usado para se defender. Os monstros da Frictional seguem as regras que alguns autores de terror usam: é impossível compreendê-los, eles aparecem raramente, e não podem ser derrotados. Seu primeiro jogo foi lançado em 2007, na mesma época que vários jogos estavam tentando coisas novas e ambiciosas. Época de Portal, The Witcher 1, Bioshock e Assassin’s Creed. Penumbra não era exceção à regra, foi um dos primeiros jogos a focar na física e interação do ambiente. Tanto que um de seus maiores diferenciais era o chamado “modo interativo” onde o jogo trocava entre controles típicos de um jogo em primeira pessoa e um modo point and click de jogos de aventura antigos.

Logo no início, Penumbra já deixa claro as regras.

Era um jogo diferente, e obteve sucesso o suficiente para financiar todos os jogos da trilogia e a próxima IP que colocou o estúdio no radar de muita gente: Amnesia The Dark Descent. Um título que até hoje considero um dos melhores jogos de terror no que se trata de causar medo e tensão no jogador. Enquanto eles relegavam uma continuação de Amnesia para outro estúdio, começaram a trabalhar em Soma, o assunto dessa conversa.

Soma se apresenta de uma forma extremamente simples, se não um pouco estranha. Só o que sabemos é que o protagonista, Simon Jarrett, sofreu um acidente de carro em que alguém próximo dele (esposa ou namorada) morreu e deixou ele com dano cerebral permanente. Descobrimos que ele tem uma consulta com um médico residente que procura uma nova forma de tratamento como sua tese. Ele iria fazer um tipo de scan novo que iria “copiar” o estado de seu cérebro e essa cópia seria usada por um computador para testar várias formas de tratamento possíveis a bruta-força até achar o melhor caso. Logo após o exame, Simon se encontra em uma outra sala, completamente hi-tech e com luzes piscando e eletrônicos dando defeito, e sem ninguém a vista. Ele se levanta da cadeira assustado e chama pelo doutor para saber o que está acontecendo enquanto olhamos ao nosso redor e vemos um cenário que parece ter saído direto de Dead Space.

É aqui que deixo o meu aviso final de spoilers, Soma é um jogo especial pela sua história e as surpresas contidas nele, então caso não tenha jogado e o que foi discutido até agora tenha fisgado que seja uma parcela de interesse, recomendo jogá-lo primeiro.

A partir do momento que Simon acorda é quando Soma realmente começa, e as primeiras horas são um exemplo clássico de narrativa ambiental. O ambiente hi-tech­ representando o cérebro que ainda não compreendemos exatamente como funciona – as luzes piscando, aparelhos falhando e paredes vazando é a condição de Simon se manifestando de forma visual – e os puzzles que resolvemos é o tratamento que será feito. Essa analogia é percebida imediatamente.

Ela também está grosseiramente errada.

Aqui é a primeira fagulha de genialidade da narrativa de Soma, como fazer o jogador empatizar com o protagonista? Simon está sentindo tudo que acontece ao redor dele, mas mesmo conosco no controle nós somos apenas expectadores. Imediatamente assumimos que estamos dentro de uma analogia por estarmos observando a distância.

Em algum momento, tanto Simon quanto o jogador vão eventualmente descobrir que, sim, Pathos-II é absolutamente real. Estamos quase 100 anos no futuro em uma base de pesquisa e mineração submersa nas profundezas do mar. A humanidade e todas as outras formas de vida foram extintas, apenas quem trabalhava em Pathos-II tinha alguma chance de sobreviver. Uma chance que – pelo que podemos observar – não se concretizou. Esse choque de informações serve perfeitamente para “preparar” o jogador para o que está por vir.

O motivo que Simon se encontra nessa estranha situação é descoberto bem para frente, o tratamento não funcionou e Simon morreu algumas semanas depois. No leito da sua morte ele diz que gostaria que parte dele deixasse algum legado no mundo, e permitiu ao médico residente usar esse exame para estudos futuros. Como resultado, o scan de Simon foi utilizado como base de desenvolvimento para inteligências artificiais e na conversão do conteúdo do cérebro em linguagem de máquina. Seu cérebro ficou guardado por quase um século até uma catástrofe quase exterminar a vida na terra e uma inteligência artificial, que está seguindo as diretrizes de preservar a humanidade, pega esse arquivo antigo e o coloca em um híbrido de corpo e máquina.

Isso por si só já daria uma história interessante, mas para Soma isso é apenas o plano de fundo para a verdadeira narrativa por trás dele. Uma narrativa carregada pelo que é um dos maiores pecados que um jogo pode cometer – colocar várias escolhas que não levam a nada. Durante as 10 horas de Soma, temos vários momentos onde vemos uma bifurcação na história.

Um robô está conectado a uma fonte de energia e diz estar machucado, mas ele garante que é humano e pede para que Simon busque ajuda. Você o desconecta para prosseguir já que é só um robô ou dá a volta pelo caminho mais comprido e perigoso?

Mais para frente é necessário um chip que somente robôs autônomos tem. Só existem dois deles na área, um que parece ser sapiente, mas é indiferente a você. E outro que é prestativo, mas não parece vivo. Você PRECISA destruir um dos dois para prosseguir, o que você considera a perda menor?

Soma tem várias escolhas do tipo com o passar do jogo, tem até algumas enquetes entregas de forma diegética no contexto do jogo. Ele constantemente te coloca em situações estranhas e pede para tomar uma decisão para prosseguir, mas o jogo contém apenas um final. Nenhuma de suas escolhas afeta nada, raramente sequer alteram diálogos mais para a frente. Isso seria imperdoável para qualquer jogo, mas é aqui que Soma se diferencia do resto. Essas escolhas nunca foram sobre mudar o curso da história do jogo, elas eram sobre mudar quem joga.

Antes de jogar Soma (ou ler este texto), você já se perguntou o que é que faz uma pessoa ser ela mesma? Se fosse possível copiar o seu cérebro e “colar” em outra pessoa… Quem ela realmente é? Ou se tivesse duas versões de você a certo ponto, qual seria a “verdadeira”? Podemos até entrar em teologia e se perguntar da vida após a morte teria várias cópias da mesma pessoa em um suposto céu. Ou em um exemplo menos hipotético e talvez mais paranóico, temos alguma prova concreta de o que vivemos dia a dia não é uma simulação onde nossos cérebros estão interagindo com um mundo virtual?

O jogo não altera a sua história porque não faz sentido alterá-la. Suas escolhas são irrelevantes quando comparadas o que acontece ao seu redor. Desde o início a intenção dos criadores era apresentar um dilema pouco utilizado na ficção e te colocar no assento do piloto para que eventualmente se perguntasse tudo isso. Soma é um jogo mediano no que se trata das métricas com que julgamos jogos normalmente, mas é uma obra que te marca de forma única, planta uma semente de dúvida e questionamento que antes não existia ou não era elaborada o suficiente.

No momento que se clica em “novo jogo” Soma te apresenta uma citação:

“Realidade é aquilo que, quando se para de acreditar, continua existindo.”

Phillip K. Dick

A interpretação que cada um leva após terminar o jogo é o verdadeiro terror de Soma, seu verdadeiro monstro. Um novo gênero de terror existencial que pode mudar os conceitos de quem o joga, e uma excelente obra que legitima o potencial artístico dessa mídia.

SOMA: jogo atinge um milhão de cópias vendidas!
Jogabilidade:Qualidade dos controles5
Design (Level design, imersão)7
História:Enredo10
Narrativa10
Arte:Gráficos10
Direção artística10
Audio:Efeitos Sonoros10
Trilha Sonora8
PortEstabilidade10
Otimização10
Nota Final:9.0

Deixe uma resposta

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *