Valkyrie Profile é provavelmente a melhor definição de sleeper hit no mercado de videogames. Um jogo cujas vendas iniciais foram mornas, mas eventualmente se tornou um clássico que virou raridade caríssima para colecionadores. Desenvolvido pela Tri-Ace e publicado pela Enix em 1999 (bem antes de sua fusão com a Square, finalizada em 2003), o jogo foi um sucesso crítico, mas que caiu no limbo do lançamento da geração subsequente (um limbo que também afetou competidores como FFIX).

O jogo toma inspiração na mitologia nórdica, mas com uma boa dose de liberdade artística. O deus Odin invoca a valquíria, Lenneth, para coletar almas de guerreiros humanos em Midgard e enviá-los para lutar por Asgard na guerra entre eles e os Aesir, que logo mais culminará em ragnarok. A premissa é logo estabelecida no começo do capítulo, e o objetivo é claro.

Valkyrie Profile faz parte dos jogos que possuem um timer rodando de fundo, o que em teoria deveria pressionar o jogador para não enrolar. Cada dungeon consome um tempo fixo, cada recrutamento consome um tempo fixo. O jogo conta com 8 capítulos, cada um com um limite de “períodos” até a chegada de ragnarok, o evento cataclísmico que destruirá o mundo.

Apesar disso, não é necessário nenhum gerenciamento de tempo nem otimização de rotas como Persona ou DeadRising. Cada capítulo tem um limite de personagens a se recrutar, e dungeons a visitar. É muito fácil completar tudo que um capítulo tem a oferecer, e sobrar “períodos” para farmar itens ou conseguir XP.

Algumas empecilhos sobre a “idade” de Valkyrie Profile

Antes de discutir as qualidades do jogo em específico, tem algumas advertências que precisam ser feitas. Seus tutoriais são amplamente ineficientes em explicar todos os sistemas que o jogo tem, e suas nuances. Em uma época que as empresas estavam tentando arranjar formas adicionais de se monetizar um jogo, uma tática comum era deixar coisas incompletas ou excessivamente obtusas para então vender guias de estratégia que esclarecem todas as falhas do jogo.

Em outras palavras, Valkyrie Profile é um jogo que praticamente exige guias para se aproveitar, e isso é por design. A experiência de jogar “as cegas” geralmente é desejável para maior parte dos jogos, mas não aqui. Especialmente tendo em vista algumas estranhezas como o fato de que as dificuldades do jogo estão invertidas. Jogar no modo hard é recomendado devido aos dungeons extras que se tem acesso, e a granularidade permitida ao subir os personagens desde o level 1. Enquanto isso o modo fácil limita seu crescimento, impede acesso ao melhor final, e no geral é bem mais desafiador.

Também é, conforme mencionado, um jogo com vários finais. Recomenda-se usar um guia logo de início para fazer o melhor final logo de primeira. Os finais B e C, como são chamados, são conclusões repentinas que não adicionam quase nada a história. Tal guia acaba sendo necessário porquê a sequência de ações necessária para alcançá-lo é virtualmente impossível de se adivinhar jogando às cegas. Então a comunidade dispõe de vários guias sem spoilers detalhando os passos que precisam ser tomados, com a única ressalva de que idealmente deve ser seguido desde o começo pois algumas ações podem te trancar fora dessa rota.

Jogabilidade

Em tudo que Valkyrie Profile tenta fazer, ele é – pelo menos – competente. Mas sem sombra de dúvidas seu ponto alto é o sistema de combate. O jogo é uma mistura de JRPG com metroidvania, usando um sistema de combate proprietário que balanceia perfeitamente estratégia com ação e se passa amplamente em um hub central que leva para vários mapas e cidades.

Indo por partes: Seu combate é um misto de ação com turno, fazendo com que cada entidade (jogador e CPU) tenha um turno, mas quando se inicia os ataques, os resultados são dinâmicos e exigem coordenação e/ou reações do jogador.

Cada botão corresponde a um personagem, e dependendo do equipamento, cada um tem de 1 a 3 ataques. Atingir inimigos enquanto estão no ar faz com que a batalha gere mais XP, e atacar enquanto estão no chão fazem habilidades recarregar mais rápido. Cada personagem tem a sua própria sequência de combos, e é possível trocar a ordem em que são feitos, mas não quais são feitos.

Magos também são uma classe no jogo, e funcionam de forma diferente. Todos os magos possuem apenas um ataque, mas um leque de diferentes magias que podem ser escolhidas e customizadas para serem usadas em batalha. Usá-las em um ataque coordenado ou separadamente através de um menu também podem resultas em efeitos diferentes, com algumas magias sendo capazes de acertar todos os inimigos de uma vez se conjuradas individualmente.

Existe um limite pesado em magias para balancear essa versatilidade. Enquanto classes de armas físicas sempre tem os seus ataques reabastecidos a cada turno, magos dependem de Charge Turn (CT). Cada magia tem um custo diferente, e esse custo diz quantos turnos vai demorar para o personagem poder usar outra magia. Esse tempo pode ser exagerado como 8 turnos, mas o jogador pode acelerar o processo através de habilidades, ou ao fazer combos em inimigos caídos como descrito anteriormente.

E é claro, a grande função que liga tudo isso, o Special Energy Gauge. Cada ataque gera um certo valor de energia. Se todos os ataques na mesma sequência de ataques gerarem 100 pontos de energia ou mais, você libera a possibilidade de usar um ataque devastador, o Purify Weird Soul (PWS).

A forma que PWS funciona é onde boa parte do planejamento do jogo é feito. Apenas personagens que participaram do combo podem fazer um PWS, mas todos que participaram podem executar um PWS em sequência. O único pré-requisito para isso, é encher a barra de combo normalmente, e aí que entra a escolha da melhor sequência de PWS possíveis.

Quando o primeiro PWS for escolhido, a barra de combo cai para 80. O personagem escolhido tem que causar no mínimo 20 pontos de energia em seu ataque para chegar a 100 novamente e habilitar o próximo personagem a usar mais um PWS. O tempo para essa escolha é limitadíssimo, então é bom planejar a sequência de antemão. Com cada ataque exigindo mais pontos de energia.

Aqui magos também funcionam de forma diferente. Geralmente só executam a mesma magia que estão equipados como de costume, mas se estiverem equipados com um cajado que tenha “great magic” na descrição, eles fazem uma versão especial da magia equipada que sempre acerta todos os inimigos. É um dos golpes mais poderosos do jogo pela capacidade de acabar com as lutas de forma rápida, mas são difíceis de conseguir e podem quebrar o equipamento se o mesmo não for um artefato lendário.

É um sistema de combate simples que tem uma imensa profundidade para quem gosta de descobrir mecânicas a abusá-las a seu favor. Apesar disso, também é direto o suficiente para que pessoas que simplesmente queiram o caminho mais rápido para a vitória sem otimizar nada também possam obter sucesso, desde que a estratégia seja montada com esse objetivo em mente.

Valkyrie Profile é mais do que só combate porém. Abandonando o típico overworld visto por cima como boa parte dos outros JRPGs da época, os dungeons são explorados em apenas 2 dimensões, como um metroidvania. Controlamos a valquíria pelos corredores e iniciamos a batalha com vantagem ao atacar os inimigos andando pelo cenário.

Por si só, esse é um dos aspectos medianos do jogo. As telas geralmente não possuem nenhum segredo emocionante ou um puzzle desafiador para progredir. O level design é bom o suficiente para ser divertido explorar o cenário, mas dentro suas mecânicas de pulo e cristais, pouco é feito para estabelecer essa parte da jogabilidade.

E é claro, todo o objetivo do jogo é recrutar heróis e prepará-los para lutar em Valhalla. Diferente de boa parte dos outros jogos do gênero, sua party é flexível por design. O jogador mesmo escolhe quais guerreiros são importantes o suficiente para se manter na sua equipe, e quais que serão treinados para serem enviados.

Aí que entra um outro sistema onde se aloca pontos de habilidade em certas feições e caraterísticas descritas por Freya, a sua conexão com Asgard que lhe passa as ordens para cada capítulo.

“Valhalla precisa de arqueiros.” Freya lhe informa. Você recebe um valor mínimo de herói para alcançar, e certos atributos como conhecimento de demônios ou saber desarmar armadilhas. No final de cada capítulo, você pode checar nos personagens que enviou, sabendo se estão servindo de acordo com expectativas ou se morreram em batalha.

Este é um jogo extremamente dinâmico e variado. Valkyrie Profile faz várias coisas ao mesmo tempo. E é surpreendente como todas vão de – no mínimo – aceitáveis, até um máximo de impressionante.

História

Para boa parte da fanbase de JRPGs, um dos aspectos mais desejáveis desse gênero é uma história boa. Valkyrie Profile também não decepciona nesse quesito, mesmo não alcançando os mesmos padrões altíssimos que a jogabilidade entrega.

Conforme mencionado, tomamos o manto de uma valquíria que precisa recrutar humanos para enviar assistência a Asgard e a guerra entre os deuses. O final dessa guerra trará ragnarok, então é de suma importância que estejam o mais preparado possível.

Porém, com esse pano de fundo, resta pouco espaço para a protagonista, Lenneth, tomar qualquer tipo de holofote por boa parte do jogo. De fato, o final mais comum de se obter jamais elabora na história dela.

São os Einherjars que são o foco de boa parte do jogo. Histórias de humanos cuja morte é eminente, e a valquíria os juga capazes de atingir o potencial necessário para serem enviados a Valhalla. Essas histórias, apesar de terem um enredo excelente em sua grande maioria, sofrem com um sério problema em seu ritmo.

A narrativa do jogo sempre soa incompleta. Eventos são contados rápidos demais, e as vezes omitindo detalhes importantíssimos. Ao mesmo tempo, são eventos bem demorados quando comparado a outros JRPGs, e – com certeza – tiveram boa parte de conteúdo cortado para não ficar “tedioso” demais de se assistir. O que resulta em um estranho caso de cutscenes muito longas que mesmo assim parecem inacabadas.

Valkyrie Profile é um caso de uma excelente história que não foi tão bem contada quanto deveria. Ou seja, um ótimo enredo preso a uma narrativa deficiente. Boa parte das histórias exige que o jogador preencha certas lacunas, ou deduza a idéia por trás daqueles eventos. O que até pode ser interessante para alguns, mas é uma falha visível se julgarmos como uma história completa e contida.

Mesmo assim, sua versão única da mitologia nórdica já seria interessante por si só, mas boa parte dos personagens e intrigas que o jogo tem para entregar tem qualidade o suficiente para julgar todo o aspecto de história como bom. Além disso não tem muito que pode ser dito sobre que não se classificaria como spoilers.

Também vale ressaltar que o caminho para o melhor final é tão escondido que geralmente se recomenda seguir algum dos vários guias disponíveis na internet. São basicamente uma “lista de tarefas” e passos a se seguir que não divulgam muito da história, mas as mudanças que causam na história são significativas.

Artisticamente

Outro aspecto marcante do jogo, é seu distinto estilo artístico. Da mesma forma que a jogabilidade vem de uma mistura incomum entre JRPGs e metroidvanias, seu estilo artístico parece vir de uma mistura do estilo artístico grandioso e saturado da mitologia nórdica com traços de mangás/animes clássicos do Japão. Seu design de personagens é fortíssimo, junto com as animações de todos inimigos e aliados.

Fazendo uso do truque de cenários pré-renderizados (como Resident Evil da época) seus visuais se mantiveram surpreendentemente preservados. A pixel art usada para a jogabilidade é excelente e facilmente bate de frente com novas tentativas da indústria de usar esse estilo, e tudo isso funciona de forma coesiva e fluída.

Seus dungeons também oferecem uma enorme variedade de biomas. Florestas, castelos, mansões, palácios com arquitetura grega, tombas egípcias em uma mistura de mitologias e muito mais. O jogo pode não ser um deslumbre no que se trata de aspectos técnicos e fotorrealistas, mas é inegavelmente lindo de se olhar do mesmo jeito.

E é claro, design artístico não se resume apenas a visuais. Todo o design de áudio do jogo é excelente, desde as frases de introdução da valquíria (“Come to me dark warriors! Battle awaits us!”) até a marcante trilha sonora. São músicas não só excelentes por si só, mas também perfeitas para carregar o tom emocional necessário.

Enfim… Valkyrie Profile vale a pena?

A indústria de jogos evoluiu imensamente em um curto período de tempo. Muito do que Valkyrie Profile faz seria considerado design arcaico hoje em dia. Por outro lado… Muito do que ele faz é completamente único. Nunca foi replicado ou revisitado, e mesmo no seu lançamento em 1999 ele já fazia muito de forma correta.

Para quem é apaixonado por videogames, vistar jogos antigos – mesmo que pela primeira vez – sempre traz uma maior compreensão da indústria e sua evolução. Alguns jogos valem a pena ser jogados nem que seja por esse insight. Esse não é o caso de Valkyrie Profile. Esse jogo é atemporal, e facilmente concorreria a prêmios se tivesse sido lançado hoje pela primeira vez com quase nenhuma alteração.

PROS:

• Ótimo combate;
• Excelente trilha sonora;
• Estilo artístico marcante;
• Bons momentos emocionantes;
• Bom balanço de estratégia e ação;
• Boa mistura de metroidvania com RPG;
• Perfeitamente único no que faz.

CONS:

• A narrativa sofre com sérios problemas de ritmo e continuidade;
• O design de alguns dungeons deixa a desejar como metroidvania;
• Péssimos tutoriais, ou em se explicar num geral.

PLATAFORMAS:

• Originalmente no PlayStation 1;
• Relançado para PSP sob o nome de Valkyrie Profile: Lenneth;
• Atualmente disponível em algumas plataformas online.

NOTAS:

Jogabilidade:	Qualidade dos controles	10
	Design (Dificuldade, Level, Criatividade)	10
História:	Enredo	10
	Narrativa	6
Arte:	Gráficos	10
	Direção artística	10
Audio:	Efeitos Sonoros	10
	Trilha Sonora	10
Port	Estabilidade	10
	Otimização	10
NOTA FINAL:		9.6

Eu amo a seção de Café dos Colonos. Revisitar jogos da minha infância é mais do que uma experiência nostálgica, é uma forma de compreender jogos de forma mais profunda e melhorar a minha capacidade de análise e crítica dos mais novos. Mas Valkyrie Profile foi a primeira vez que eu joguei. E provavelmente é a experiência mais memorável pra mim nesse ano. A coisa mais importante em um jogo sempre vai ser o seu design. Gráficos, jogabilidade, inovação, cada um desses aspectos ajuda, mas é a personalidade e alma de um título que realmente o torna atemporal.