Street Fighter 6 – Um bando de lutadores tolos
Existem certas continuações que nem parecem feitos pela mesma empresa, e no caso de Street Fighter 6, pode até ter um fundo de verdade nisso. Seu antecessor teve um lançamento desastroso, e mesmo em seus momentos finais se tornando um excelente jogo de luta, só se tem uma chance de dar uma boa primeira impressão. Street Fighter não podia ter outro desastre como em 2016, e para o alívio de todos os fãs da série, eles completamente superaram expectativas.
Desde Resident Evil 7, a Capcom se mostrou com uma nova direção para os seus jogos. Uma que balanceasse melhor o lado criativo com o corporativo, e o resultado disso vem sendo excelentes jogos como a localização de TGAA ou o mais recente Resident Evil 4 Remake. Agora chega a vez de Street Fighter, e finalmente temos um jogo de luta AAA que aprendeu com a incrivelmente boa cena indie.
Um jogo de luta para quem não gosta de multiplayer
Um dos maiores problemas do gênero até hoje é a sistemática falta de conteúdo para quem só quer relaxar e jogar offline. Outros jogos podem até ter um foco competitivo, mas sempre oferecem algumas coisas para se fazer offline para fazer o pacote ficar completo. Isso era algo que nenhum jogo de luta fazia, oferecendo apenas um modo Arcade ou Survival no melhor dos casos. Coisas que não oferecem muito mais do que algumas 2~3 horas de diversão.
Aqui finalmente foi oferecido algo que realmente se passa por conteúdo single-player: o modo World Tour. Aqui você cria um avatar para participar da história do jogo como um recruta da empresa de mercenários do Luke. No que se trata de narrativa e enredo mesmo não tem muito o que falar, é a coisa mais galhofa que a Capcom já produziu até hoje, e isso é um feito impressionante. Não é propriamente ruim, mas para quem gosta ou esperava uma história mais coerente ou séria, eles nem sequer tentaram. Tudo no jogo é apenas uma desculpa para encontrar os personagens do jogo e lutar a esmo.
O jogo é completamente autoconsciente de quão ridículo algumas coisas são. Como um exemplo, no começo do jogo tem uma parte da cidade que está bloqueada o acesso. Ao falar com o policial ele diz que o motivo é que houve uma ameaça de bomba no estádio por perto… E ao falar com ele de novo, ele começa a listar todas as falhas com essa lógica, como o torneio ainda acontecendo por lá, tendo pessoas andando casualmente no outro lado, ou até mesmo o quão distante a rua é do estádio. E é claro, você também pode chamar o policial para trocar 5 minutos de soco sem perder a amizade, afinal de contas, por que não?
Nada nesse modo faz sentido, e ele veste isso com orgulho. Como HiFi Rush no começo do ano, é um jogo que não tem medo de simplesmente ser um jogo. A história está ali como um extra que não tem como, e nem deve, ser julgada pela sua qualidade.
Então se tratando do real foco, o gameplay dele. Usando um sistema de RPG e um mundo “open bairro” como Yakuza, o modo nunca tem um objetivo claro além de “descobrir o que é força” e por causa disso procurar os personagens do jogo e treinar sob eles. O seu personagem aprende a se eletrificar como o Blanka, esticar membros como o Dhalsim, lançar magias como Ken ou Ryu e por aí vai. Seu personagem pode ser musculoso e gigantesco ou pequenininho e magro, nada te impede de copiar a Chun-li ou a Marisa.
O modo proporciona muito tempo de conteúdo ao subir o nível do seu personagem, masterizar os estilos de cada um dos mestres, subir a afinidade com os mesmos, e coletar os vários itens e equipamentos espalhados pelo mapa. Também abre uma gama enorme de possibilidades ao se ter acesso a todos os especiais dos diferentes personagens do jogo.
É claro, não é tudo perfeito. O primeiro capítulo te tranca no modelo de controles Moderno o que faz as coisas muito estranhas para quem já conhece o jogo, as lições as vezes são muito fora de hora, o sistema de RPG as vezes é inconsistente e faz com que 2 personagens no mesmo nível causem danos drasticamente diferentes, e por aí vai. Mas para a primeira tentativa da série, ela é amplamente bem-sucedida.
É um modo divertido por si só, e um que serve para explicar conceitos e mecânicas de jogos de luta aos poucos. Mesmo quem nunca pretende jogar ranqueado, World Tour oferece uma boa gama de conteúdo para justificar um lançamento AAA.
Para iniciantes
Em certos aspectos, Street Fighter 6 não é o jogo mais fácil da série. Discutivelmente, é um dos mais complexos quando se engloba todas as nuances e detalhes de seus sistemas, mas ele consegue atingir um bom balanço em também ser acomodatício para quem está começando.
Em primeiro lugar, existe o modo de controles Moderno que alivia a complexidade mecânica do jogo. Combos e especiais funcionam que nem em um jogo como Smash, mas apesar da aparente simplicidade, você ainda está jogando Street Fighter. Abusar desses atalhos não vai facilitar a vida de ninguém, é apenas um aspecto a menos para se preocupar no começo.
Esse esquema de controles é competitivamente viável, apesar de ser perder acesso a algumas ferramentas do personagem. O famoso jogador Justin Wong vem testando todos os personagens nesse modo, e sua bagagem de profissional desde a época de Third Strike faz com que ele ainda seja uma ameaça para qualquer outro jogador.
Certos conceitos e mecânicas também são explicadas em detalhes nos tutoriais do jogo, ou para quem gosta de uma forma mais divertida de se aprender, durante o modo World Tour mencionado anteriormente.
Cada personagem conta com um curto guia mostrando todos os especiais e como o personagem foi criado para ganhar. O modo Battle Hub também oferece um lobby mais social com chat e comunicação entre jogadores que facilita encontrar alguém mais experiente para dar algumas dicas.
Existe uma enorme gama de recursos para quem quer aprender e entrar no lado competitivo do gênero. Algumas existem faz tempo dentro da FGC, mas em boa parte foram facilitadas e colocadas de forma clara e concisa dentro mesmo do jogo.
Para veteranos
E para quem já fazia parte da FGC, Street Fighter 6 também oferece um pacote completo. Entre o modo Battle Hub e Fighting Ground, existe de tudo que se poderia esperar em um bom jogo de luta. Cada personagem tem o seu guia detalhado e combo trials para treinar a execução de certos truques.
O modo treino conta com todas as funções de SFV e muitas novas, como um slow-mo para testar se combos são possíveis, um sistema de frame data muito mais detalhado, indicadores de janela de buffer e cancels, e várias opções de reversal para recriar os mais diversos tipos de situações para treino.
O modo ranked teve algumas alterações, escalar os rankings não é algo tão estressante como em SFV, porém ainda exige um certo winrate positivo para que tenha um progresso rápido. O netcode é excelente e raramente traz uma partida injogável, e mesmo no caso que isso aconteça os dois jogadores podem votar para cancelar a partida.
Partidas casuais, salas privadas e o battle hub também oferecem várias outras formas de se jogar com outros jogadores sem se preocupar com ranking. O rematch instantâneo faz com que tenha muito mais tempo de jogo e muito menos de loading. Tudo flui com perfeição nesses modos.
Houve também inclusão de alguns torneios sazonais que são separados por liga, tudo isso gerenciado por dentro do jogo mesmo. Street Fighter 6 é excelente no que se trata de funcionalidades que a FGC vivia pedindo para os jogos do gênero. Não há quaisquer falhas aqui, fora algumas decisões de balanceamento questionáveis, mas isso é esperado para qualquer versão inicial de um jogo de luta.
Afinal de contas, Street Fighter 6 vale a pena?
Além de tudo mencionado, além de ter uma gama de opções para agradar tanto veteranos do gênero quanto uma nova audiência, o jogo ainda conta com várias outras funções excelentes que não foram mencionadas em detalhes.
É possível desbloquear músicas de todos os jogos da série e tocá-las em determinados modos. As animações dos personagens exalam personalidade e atenção, como o taunt do Jamie sincronizando com o tema dela, as mudanças nas animações da Kimberly quando ela entra em hype mode, as diferentes variações dos agarrões da Manon conforme ela ganha medalhas, ou absolutamente tudo que o Dee Jay faz…
Artisticamente, o jogo está entre os melhores da série. Um excelente design de interface, menus responsivos. Uma estética punk/underground em tudo que faz. Alguns modos versus com modificadores só pra se divertir entre amigos. E é claro, até mesmo o clássico modo arcade.
Street Fighter 6 é o que jogos de luta AAA deveriam ser a anos, e mostra que o gênero vale cada centavo e cada minuto investido quando feito de forma tão completa assim. As poucas falhas que o jogo tem não diminuem em nada a experiência, para qualquer tipo de jogador.
PROS:
- Melhor jogo da série para novatos;
- Ainda assim mantém uma complexidade enorme para veteranos;
- Muito conteúdo single-player;
- Modo treino repleto de funções;
- Direção de arte ótima;
- Boa trilha sonora;
- Cheio de novidades e conveniências comparado com a média do gênero;
- World Tour é a coisa mais galhofa que a Capcom já fez até hoje.
CONS:
- World Tour é a coisa mais galhofa que a Capcom já fez até hoje;
- Alguns problemas de otimização em World Tour;
- Mudanças em buffers e shortcuts podem desagradar quem veio de SFV;
- Fighter Coins e Battle Pass são monetizações desnecessárias em cima do Season Pass de um jogo a preço cheio.
PLATAFORMAS:
- PC – Steam (Plataforma analisada);
- PlayStation 4/5;
- Xbox Series.
NOTAS:
Jogabilidade: | Qualidade dos controles | 10 |
Design (Dificuldade, Level, Criatividade) | 10 | |
História: | Enredo | 8 |
Narrativa | 8 | |
Arte: | Gráficos | 10 |
Direção artística | 10 | |
Audio: | Efeitos Sonoros | 10 |
Trilha Sonora | 10 | |
Port | Estabilidade | 10 |
Otimização | 9 | |
NOTA FINAL: | 9.5 |
Finalmente um jogo que parece tão completo quanto Them Fighting Herds! Desde o lançamento daquele jogo eu falava que era vergonhoso que um fighting game indie feito por um time de 6 pessoas tinha muito mais conteúdo que qualquer alternativa AAA na época. Desde então lançaram KoF XV, MBTL e GGST, e nenhum deles tinha pra se fazer além de jogar ranqueadas. Street Fighters 6 não só oferece muito mais do que isso, ainda mostra excelência em tudo relacionado a multiplayer também. É o melhor jogo de luta atualmente disparado.